sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

A propósito...

Era Pena

Pois é. Há quem vá votar “Não” no referendo só porque a Igreja diz que se deve votar “Não” no referendo. Sem entender sequer porquê. É pena. É pena porque não há nada mais contrário à mensagem cristã do que seguir cegamente regras que não se compreendem. É pena, porque é importante que todos os cristãos percebam que nem tudo o que é pecado deve ser crime. É pena, porque o máximo ético proposto pelo cristianismo como meta não pode, nem deve, coincidir rigorosamente com o mínimo ético imposto pelo Estado aos cidadãos como base necessária para uma convivência pacífica.É pena, porque propicia o ruído.

O princípio de que o aborto deve ser crime justifica-se independentemente de a Igreja ser contra o aborto. Justifica-se, não por uma qualquer vontade divina despoticamente imposta que tantos temem (incluindo eu que, como diria alguém que conheço, desse deus também sou ateia), mas porque, num Estado que se quer laico, a base sobre a qual se constrói a vida em comunidade deve ser o próprio Homem. Ora, o aborto livre, lícito e comparticipado, independentemente de poder ferir Deus (circunstância que só aos crentes interessa), fere directamente esse Homem que se quer na base da civilização. Um país é tanto mais civilizado quanto nele menos aplicação tiver a lei do mais forte. O que nos torna mais humanos é a capacidade de aceitar e defender os mais fracos, os mais desprotegidos, ainda que nos incomodem (e eu acredito que uma gravidez indesejada seja incómoda, e muito). É esta base que o aborto a pedido, sem necessidade de qualquer justificação, vem deitar por terra. Isto, porque implica a negação da humanidade ao embrião, acompanhada de uma recusa sistemática de definição do critério de humanidade. Ensaiam-se teorias como as da autonomia, da autodeterminação, ou da actividade cerebral, que não são nunca levadas até às últimas consequências. Nem poderiam ser, porque são teorias que apenas visam justificar certas “necessidades da vida moderna e progressista” como o aborto. Com isto, invertem-se os dados do problema: em vez de se procurar definir o estatuto do embrião para daí retirar as respectivas consequências, procura “resolver-se o problema do aborto de uma vez por todas”, decidindo-se que o embrião não é pessoa e que, por isso, não há problema. Nada mais falso. Se um embrião não é nada, porque é que uma mulher que tem um aborto espontâneo sofre tanto? Será que o que ela perdeu não foi nada? Será que o embrião muda de natureza consoante as nossas necessidades? Não me parece. E é por isso que no dia 11 vou votar “Não”. Espero sinceramente que os católicos votem “Não” por acreditarem ser este o melhor caminho e não por medo de arder eternamente no fogo do inferno. Do mesmo modo, espero sinceramente que os não católicos não deixem de votar “Não” só porque não acreditam no inferno. Era pena.
Por Marta Rebelo no "Blogue do Não"

Sem comentários: