terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Ambiente - SINAL AMARELO

Ainda não será nesta década que Portugal dará o salto ecológico. Planos há muitos, mas tardam as medidas concretas. A consciência ‘verde’ começa só agora a despontar O estado da Nação

Não é um cenário catastrófico, mas estamos longe do ‘bom’. O estado da Nação em termos ambientais tem evoluído positiva e lentamente ao longo da última década. Há 13 anos apenas um terço da população portuguesa tinha sistema de saneamento básico completo. Hoje, este atinge 80%. Os nossos rios e albufeiras continuam, no entanto, a receber descargas directas e poluição difusa. E o ar que se respira nas cidades, congestionadas pelo trânsito, não é o mais aconselhável para a saúde pública.

1. BIODIVERSIDADE

Em Portugal continental, 17 dos 88 «habitats» registados são considerados prioritários, mas 82% encontram-se num estado de conservação entre o “mediano” e o “desfavorável” e mais de metade viu as suas áreas regredirem na última década, de acordo com dados do Plano Sectorial da Rede Natura 2000. E isto acontece num país onde a biodiversidade é considerada “proporcionalmente superior” à dos vizinhos da União Europeia. Por exemplo, albergamos 31,7% das espécies da flora inscritas na Directiva Habitats e dois terços das nossas 63 plantas ameaçadas não existem em mais parte nenhuma do mundo. Faltam é estudos aprofundados sobre o estado da flora.

Já no que diz respeito à fauna, o ‘Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal’ indica que 68% das espécies estão ameaçadas. Reduzir a perda de biodiversidade até 2010 é um desígnio em que o Governo diz apostar durante a presidência da UE. Porém, o Instituto de Conservação da Natureza (ICN) continua depauperado financeiramente. “Os técnicos deste instituto, nalguns projectos em colaboração com organizações ambientalistas, têm conseguido recuperar algumas espécies”, sublinha José Paulo Martins, da Quercus. Assiste-se à contínua poluição e à alteração dos nossos cursos de água, o que coloca em perigo 63% dos peixes dos nossos rios e albufeiras.

2. QUALIDADE DA ÁGUA

As águas superficiais “estão em muito melhor estado do que há uns anos, devido a um conjunto de instrumentos legislativos que obrigaram Portugal a tomar medidas para reduzir as fontes de poluição”, afirma Pedro Coelho, vice-presidente da Associação Portuguesa de Recursos Hídricos (APRH). Mas se esta é uma ideia generalizada, na realidade as estatísticas revelam uma inversão em 2005. Nesse ano, 43% dos rios, ribeiras ou albufeiras revelaram água de má ou muito má qualidade. O Instituto da Água (Inag) justifica que assim foi “porque se assistiu a um longo período de seca que combinou a acumulação de poluentes nas margens com a intensa pluviosidade do Outono seguinte”.

Uma directiva europeia obriga-nos a atingir os 100% de “bom estado ecológico” em todas as bacias superficiais até 2015. E para tal, está “em preparação uma nova estratégia e um programa de monitorização do estado ecológico de massas de água superficiais”, segundo o vice-presidente do Inag, Rocha Afonso. Resta saber “se vai haver viabilidade económica para esses investimentos”, lembra Pedro Coelho.

Por seu lado, os lençóis de água subterrâneos ostentam melhor qualidade. Nos três principais aquíferos (Querença/Silves; Tejo/Sado e Cretácio de Aveiro) a classificação “boa” varia entre 30% e 50%. No caso do Algarve, a seca revelou também o perigo de intrusão de água do mar.

3. QUALIDADE DO AR

A apreciação do Instituto do Ambiente (IA) e da Quercus não podia ser mais díspar. Para o IA, a qualidade do ar em Portugal pode “ser considerada boa, em termos globais”. As excepções vêm de Lisboa, Porto e arredores, onde as partículas inaláveis e o dióxido de azoto exigem maior atenção. “As partículas inaláveis (causadas, por exemplo, pelos carros a diesel) chegam a apresentar concentrações acima dos valores legislados”, bem como o ozono de superfície, no Verão.

O presidente da Quercus, Hélder Spínola, é menos optimista e garante que a má qualidade do ar está a afectar a saúde das crianças, idosos e pessoas com problemas respiratórios. “As partículas inaláveis foram responsáveis por 4 mil mortes prematuras em 2006 e pela diminuição da esperança média de vida em três meses nas cidades”, garante. Em alguns dos pontos negros do país, como a avenida da Liberdade, foram detectados mais de 100 dias com excesso de partículas inaláveis - quando a lei permite um máximo de 35 dias/ano. O responsável sugere um acordo entre o Ministério do Ambiente, rádios e televisões. “Podia haver um serviço noticioso sobre a qualidade do ar semelhante ao do trânsito ou incluído no boletim meteorológico”.

4. RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS

A par da erradicação das lixeiras, o Plano Estratégico dos Resíduos Sólidos Urbanos (PERSU I 1996/97) delineou o tratamento do lixo doméstico, ao prever o aumento das estruturas de gestão de resíduos, a construção de aterros sanitários ou as centrais de triagem. A política dos três R (reduzir, reutilizar e reciclar), “permitiu a Portugal cumprir os objectivos para 2005”, diz Francisco Barracha, vice-presidente do Instituto dos Resíduos. Mais de 60% do papel e cartão foram reciclados, quando a directiva europeia de 1994 definia apenas 15%. Para o horizonte de 2007-2013, o sector aguarda as directrizes do PERSU II. Segundo a Quercus, a maior fatia do orçamento deveria ser canalizada para a reciclagem e não para novas unidades de incineração. Da UE surgem metas mais exigentes para 2011 que começam a preocupar os agentes envolvidos. Se Portugal quer superar esta prova, “não pode ficar dependente dos ecopontos”, admite Luís Veiga Martins, director-geral da Sociedade Ponto Verde. Uma das soluções passa por estender a recolha selectiva porta-a-porta a vários pontos do país.

5. CLIMA

O ano de 2006 foi o quinto mais quente desde 1931. Em relação aos valores médios de 1961-1990, as temperaturas foram apenas mais baixas entre Dezembro e Fevereiro. Acrescentemos a seca de 2005, considerada a mais grave dos últimos 60 anos (de acordo com o relatório do Instituto de Meteorologia - IM) e, ainda, que quatro dos cinco Verões mais quentes desde 1931 se situaram na década de 2000. O país está a aquecer, e mais depressa do que o resto do planeta: “Desde 1975, a temperatura média subiu a uma taxa de cerca de 0,4 graus por década, mais do dobro da taxa de aquecimento observada para a temperatura média mundial”, garante Fátima Espírito Santo, do IM. Segundo os relatórios SIAM, tudo aponta para um aumento significativo da temperatura média em todas as regiões de Portugal até ao fim do século XX. E as chuvas? Aí, de acordo com aqueles relatórios, a incerteza é substancialmente maior, embora haja indicações de redução da precipitação no território continental durante o ano, à excepção do Inverno.

6. EROSÃO

O mapa confirma-o: o Nordeste transmontano e o interior centro e sul do território continental surgem, claramente, como os mais sujeitos à erosão. Aí são os solos mais susceptíveis - e essa susceptibilidade é medida a partir de características como a drenagem, o declive, a permeabilidade ou até a pedregosidade. As alterações climáticas, a perda de biodiversidade, a erosão ou a impermeabilização são factores que contribuem para que se degradem solos como os do Alentejo, cada vez mais pardo e árido. No quadro do combate à erosão está a ser discutida, neste momento, uma directiva da UE para a criação de uma Rede de Protecção dos Solos.

7. ORLA COSTEIRA

Dois terços da costa estão em perigo de erosão, “mas não há uma verdadeira cartografia do risco”, alerta Alveirinho Dias, especialista em Dinâmica Costeira. Na realidade, muitas das prioridades de intervenção anunciadas já foram alvo de obras. A ideia que fica é a de “dinheiro deitado ao mar”.

Enquanto o ministro do Ambiente Nunes Correia afirma a existência de verbas e uma “estratégia para o litoral”, Alveirinho Dias critica: “Repete-se o diagnóstico, mas na realidade não há uma estratégia concertada e fala-se mas continua a não se fazer”. Até final de 2005, investiu-se 62 milhões de euros em defesa costeira. “Fazer o prolongamento da CRIL ( cerca de 1,5 km) custa €100 milhões”, lembra o professor da Universidade do Algarve. “Prioridades...”, ironiza.

Carla Tomás, Hugo Franco, Maria Barbosa e Nair Alexandra, aqui.

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