sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Haja alguém que nos elucide

Haja alguém que nos elucide. O Projecto-Lei sobre a despenalização do aborto tem muito que se lhe diga... Eu até diria: a alínea c, caso o "sim" ganhe e a lei venha a ser posta em prática em clínicas de aborto, legalizadas e aprovadas pelo Governo, "a la española" (onde vale tudo por detrás da "saúde psíquica da mulher grávida"), já permitirá abortar até às 16 semanas... (“designadamente por razões de natureza económica e social”); é que, em Portugal, à excepção de uma minoria, não há ricos... Haja alguém que nos elucide!
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1. A falta de compromisso por parte da maioria socialista quanto ao texto da lei a aprovar caso o “sim” ganhe é ensurdecedora. Qual estratégia bem medida não vá, afinal, o “não” ganhar…Há muita desinformação. A perguntas de “como vai ser?” as respostas são vagas…era bom aconselhamento, pois era…mas como vai ser feito? Por médico, psicólogo, no cento de saúde, no hospital, por pessoa diversa da que fará o aborto, com obrigatoriedade de decurso de tempo entre uma coisa e outra? Enfim, logo se verá…Mas não se tente calar as pessoas, dizendo que uma coisa é a lei e outra a regulamentação da mesma. Senão veja-se…
2. Há um projecto de Lei - n.º19/X (PS) – votado na generalidade e a aguardar o resultado do referendo, que propõe acrescentar uma nova al.a) ao artigo 142.º do Código Penal, prevendo o aborto a pedido da mulher até às 10 semanas e uma alteração à actual al.b) do mesmo artigo, que passará a al.c), onde alarga para as 16 semanas o prazo no caso de o aborto ser indicado para evitar perigo e morte ou grave e duradoura lesão para o corpo ou a saúde física ou psíquica da mulher grávida, acrescentando-se “designadamente por razões de natureza económica e social”. No caso da al.a) prevê este projecto uma consulta prévia num “Centro de Acolhimento Familiar”.Este projecto foi alvo de uma proposta de alteração apresentada por deputados do PS na 1.ª Comissão. Nesta versão, há duas alterações relevantes: o projecto deixa de contemplar qualquer alargamento no caso de risco para a saúde física e psíquica da mulher grávida, não se propondo, portanto, qualquer alteração à actual al.b), e é excluída a referência à consulta prévia no Centro de Acolhimento Familiar no caso da nova al.a).
3. A campanha tem-se desenvolvido toda em torno desta versão – lembro até o texto de Vital Moreira “Doze razões” que sugeria o “anúncio de tal propósito [aconselhamento médico e psicológico]” como forma de captar mais votos para o “sim”.A questão permanece propositadamente nebulosa. Quando dá jeito, fala-se na possibilidade de consulta de aconselhamento, quando não dá explica-se (foi referido no Prós e Contras) que esses ditos centros são inviáveis e que o médico fará o papel de conselheiro. Quanto ao alargamento para as 16 semanas, não se sabe se caiu ou se está subtilmente arredado para aparecer em força, mais cedo ou mais tarde, caso o “não” ganhe.Juridicamente a questão é bastante simples. Na al.a) transforma-se o aborto num direito da mulher. Basta fazer prova de que está dentro das 10 semanas e a mulher pode exigir que o aborto seja praticado. Não tem de dar qualquer explicação. E é esta parte que vai a referendo. A liberalização do aborto até às 10 semanas. Na al.c), b) no texto actual, é preciso atestar o preenchimento de vários requisitos legais. Para que o aborto possa ser praticado tem de ficar claro que está em risco a saúde física ou psíquica da mulher e que o aborto é meio indicado para afastar esse risco. Mais, é preciso provar uma relação de causalidade entre saúde da mulher e gravidez (ou aborto). Será possível invocar razões de natureza económica e social, mas, mais uma vez, é preciso demonstrar que essas razões são causadoras do “perigo de morte ou grave e duradoura lesão para o corpo ou a saúde física ou psíquica da mulher”. Plena de conceitos indeterminados, só a aplicação prática da lei permite saber se estaremos, neste caso, perante uma liberalização (“à lá espanhola”) ou não. Juridicamente, no entanto, é muito diferente da al.a), pois é preciso averiguar razões, sopesar interesses a fim de decidir pelo aborto ou pela manutenção da gravidez. Politicamente a ver vamos e tudo está dependente da margem que o resultado do referendo permitir.
4. Para já, aos defensores do “sim” dá muito jeito esta confusão. Só falam das 10 semanas (o caso das 16 ninguém refere), como se só valesse a proposta alterada, mas quando é preciso invoca-se – ou sugere-se que se invoque - uma consulta prévia. Afinal em que ficamos? Alguém se digna esclarecer? Duvido. Primeiro pede-se o voto e depois logo se vê…
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Dizia que não há compromisso por parte da maioria socialista. Mas corrijo: há um inegável compromisso, que é acabar com o aborto clandestino, por isso se oferece um aborto limpo e seguro. Não há é nenhum compromisso com a luta para diminuir drasticamente o aborto, porque isso implicaria apostar, seriamente, a outros níveis e sobre isso…nem palavra! Não se invoque pois o exemplo do modelo de aconselhamento alemão, que efectivamente despenaliza a mulher sem deixar de considerar o acto ilícito e que muito pouco tem a ver com os projectos que referi abaixo. Nesse modelo é clara a preocupação em diminuir o aborto. No que se propõe aos portugueses a única preocupação evidente é com o aborto clandestino, não com o aborto em si. Quem acha que o aborto é um mal, que deve ser combatido, quem acha que o aborto não é apenas um problema de saúde pública, mas um problema social, não se pode arriscar a passar um cheque em branco a quem não se quer comprometer. Deve pois votar “não”.
Por Assunção Cristas, aqui.

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