quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Cogito V - Que educação para a sexualidade?

Dois dos muitos assuntos discutidos em torno da I.V.G./aborto, em tempo de campanha, foram o do Planeamento Familiar e da Educação Sexual, sem dúvida, duas de muitas políticas merecedoras de atenção e investimento, muito mais agora que o aborto até às 10 semanas é livre.

Tanto Planeamento Familiar, como Educação Sexual são uma sombra do que, de facto, deveriam ser. Importa, pois, que, para além das muitas controvérsias que vão gerando, se encontrem pontos de consenso forte e medidas de actuação a curto e a longo prazo. Das duas políticas, no meu entender, a pior tratada tem sido a da Educação Sexual, cujas acções desenvolvidas têm sido dispersas e pontuais. Procurando pensá-la, colocam-se-me, então, algumas questões: Deverá ou não existir uma disciplina de Educação Sexual nas escolas? Como?

Aqui ficam alguns pontos de reflexão pessoal sobre o assunto, que cada um julgará por si. O debate fica aberto.

A política da Educação Sexual, nas escolas portuguesas, é incipiente e carece de uma profunda reflexão, delinear de objectivos bem concretos e organização/estruturação. Nem o próprio Ministério da Educação sabe bem o que se faz em campo, o que demonstra como esta política é, infelizmente, secundária.

Sem dúvida que deve e tem de haver, na escola, uma disciplina de Educação Sexual. Gostaria de salientar, contudo, que, não raras vezes, quando se fala de Educação Sexual, se reduz a sexualidade à sua perspectiva anatómica, prevenção de doenças e contracepção. Assim, preferindo a denominação Educação para a Sexualidade e Afectividade, defendo que a abordagem da mesma seja realizada numa perspectiva transversal, ampla e construtiva, envolvendo a participação e cruzamento de vários saberes, entre eles os da Saúde, da Psicologia, do Desenvolvimento, da Filosofia, da Ética e das Relações Humanas, dado que a sexualidade envolve o desenvolvimento corporal, psicológico, afectivo e moral da pessoa ao longo dos anos, num contexto social e familiar (eventualmente religioso muito próprio). Enfim, a Educação para a Sexualidade e Afectividade, a existir nas escolas, como defendo, deverá integrar a formação humana, pessoal e social, numa dinâmica plural. Quero com isto dizer que acho insuficiente e reducionista uma disciplina de Educação para a Saúde (onde, entre várias temáticas, são abordadas a educação sexual), e muito pior, a sua abordagem em disciplinas como a da área de Projecto ou Estudo Acompanhado, votando a sexualidade a tema de conversa esporádico e até pouco planeado.

Um projecto como o acima citado parece ambicioso? Talvez, mas mais do que nunca, sob pena de lançar a sexualidade para a sua dimensão fisiológica e biológica, ele é necessário. Creio que educar para a sexualidade não passa somente por informar, mas por formar.

Educar para a sexualidade não pode ser só e exclusivamente falar da prevenção de doenças e da gravidez, e da contracepção. Educar para a sexualidade também não é facultar indiscriminadamente preservativos nas escolas (vejamos o caso inglês em que uma política deste género levou a um retrocesso nesta matéria), liberalizar as relações sexuais ou apelar ao hedonismo. Uma boa Educação para a Sexualidade e para a Afectividade é um processo que atenderá ao desenvolvimento sexual da pessoa em diferentes idades e estádios de desenvolvimento físico e psíquico, e isto deverá ter em conta a educação sexual desde a Pré-Primária até ao Ensino Secundário.

Se a problemática tem sido posta nos moldes que descrevi, ela deve ainda ser pensada conjuntamente com todos os agentes educativos, entre eles a família (pais). Pelos seus direitos e deveres na educação das crianças/adolescentes, uma correcta política de educação sexual não pode eliminá-la, relegando-a a um papel dispensável. Numa sociedade em que o sexo é explícito, em que a informação pode ser adquirida nas mais variadas fontes, fiáveis ou não, é importantíssimo que todos os agentes educativos estejam despertos e preparados para educar para a sexualidade, sendo necessária, assim, formação e esclarecimento em Escola de Pais, procurando que se quebre a barreira entre pais e filhos no diálogo sobre a sexualidade.

Espera-se que a educação sexual não tenha caído em saco roto. Esperam-se estudos de identificação de casos sociais vulneráveis, diálogo e consenso e, como já antes defendi, políticas de Educação para a Sexualidade e Afectividade, numa cultura de Liberdade e Responsabilidade.

O diálogo está aberto. Encontre-se o melhor caminho.

Liliana F. Verde

(Publicado também aqui e aqui.)

Notícias sobre manifestações de alunos em que se reclamam aulas de Educação Sexual, aqui1, aqui2, aqui3, aqui4.
Ver outras notícias relacionadas aqui0, aqui1, aqui2, aqui3, aqui4, aqui5, aqui6, aqui7, aqui8, aqui9, aqui10, aqui11, aqui12, aqui13, aqui14, aqui15, aqui16, aqui17, aqui18, aqui19, aqui20, aqui21, aqui22, aqui23, aqui24, aqui25, aqui26, aqui27, aqui28, aqui29, aqui30, aqui31, aqui32, aqui33, aqui34, aqui35, aqui36, aqui37, aqui38, aqui39, aqui40, aqui41, aqui42, aqui43, aqui44, aqui45, aqui26, aqui27, aqui28, aqui29, aqui30, aqui31, aqui32; aqui33, aqui34; aqui35, aqui36, aqui37, aqui38; aqui39, aqui40, aqui41, aqui42 e aqui43, aqui44, aqui45, aqui50, aqui51.
Daniel Sampaio: aqui1, aqui2, aqui3.
Outros textos: aqui1 (vários), aqui2, aqui3, aqui4, aqui5, aqui6, aqui7 (vários), aqui8.
NOTA: Os comentários feitos a este meu "post", deixados na caixa ou enviados para o meu correio electrónico têm-me permitido questionar a Educação para a Sexualidade. Dando tempo a que as pessoas comentem este "post" nos três blogues em que ele está publicado, penso fazer uma análise das intervenções, respondendo às propostas e questões apresentadas. O espaço é vosso. Continuem que o debate está em aberto.

5 comentários:

Anónimo disse...

Minha amiga

Achei muito engraçado o que escreveu pela seguinte razão: há uns dois dias que ando com vontade de escrever um post no meu blogue precisamente sobre o mesmo tema.

Decerto nunca poderia escrevê-lo com as mesmas palavras que a amiga utilizou pois somos pessoas diferentes, mas o que é certo é que penso exactamente da mesma maneira.

Ainda gostava de acrescentar que não seria má ideia existir uma disciplina para os pais; seja na escola dos seus filhos, seja no centro de saúde, ou outro lugar qualquer, disciplina essa que os ensinasse de uma forma ampla tocando várias disciplinas como as que referiu acima. Isto prepararia os pais para poderem educar os seus filhos em primeira-mão.

O papel da escola é muito importante, mas teríamos melhores resultados se, como diz a Liliana, os pais fossem envolvidos no projecto.

Adorei como o tema foi tratado por si e peço-lhe autorização para colocar este post no meu blogue com as devidas referências a si e ao seu blogue.

Um grande beijinho com amizade e gratidão por me dar a conhecer os seus textos sempre tão preciosos.

Alexandra Caracol

João Santos disse...

Que dizer sobre este texto? Está tudo muito correcto e bem elocubrado. Falta passar à acção, para prevenir gravidezes indesejadas, o alastramento de preconceitos e estereótipos. Enfim, deve-se, como o texto defende, desenvolver políticas que promovam o conhecimento da sexualidade humana, irremediavelmente ligada à dimensão afectiva da personalidade - eventualmente seu índice maior - e que promovam também a desmontagem de estereótipos desvirtuadores da realidade social... Um política para a sexualidade deve - se não deve aliás todo o tipo de educação - fomentar a tolerância perante as minorias sexuais. Trabalho titânico, ainda por fazer...

Liliana F. Verde disse...

Olá, Alexandra!

Esteja à vontade para publicar este meu texto no seu blogue. Ele pretende ser, de facto, um texto de partida para o diálogo e reflexão sobre o que deve ser a Educação Sexual, ou, como defendo, a Educação para a Sexualidade e para a Afectividade, consciencializando tantas pessoas quanto possível da responsabilidade que todos temos nesta matéria, sobretudo enquanto pais, para quem o é, e educadores, que acredito todos sermos.

Concordo, de facto, consigo quando refere que "não seria má ideia existir uma disciplina para os pais", o que estaria nos moldes da "Escola de Pais" de que falei. Ainda não pensei afincadamente no que poderia consistir exactamente essa "escola", teria, com efeito, de pesquisar e reflectir um pouco sobre o assunto, pois ela já existe, ainda que seja do desconhecimento da grande parte das pessoas (por alheamento dos pais, dos educadores, da escola, da sociedade?). Este é também um tema em aberto. Que o diálogo se abra também aqui.

De uma coisa não tenho dúvidas: os pais devem ter a primeira responsabilidade na educação dos seus filhos, e, no mundo global, que roda a 300% à hora, precisam de ajuda de modo a entenderem melhor o mundo actual, cujos valores e comportamentos se vão alterando (para bem e para mal), e a juventude dos nossos dias, e a decidirem, eles mesmos, a educação que querem dar aos seus filhos (julgo terem esse direito).

Quanto à frase da Alexandra "O papel da escola é muito importante, mas teríamos melhores resultados se, como diz a Liliana, os pais fossem envolvidos no projecto.", tenho ainda a dizer o seguinte: os pais estão, hoje, pouco envolvidos na educação dos seus filhos, é um facto, contudo, assistimos a um paradoxo, quando intervêm, a sociedade, sobretudo a escola, relega-os para um plano secundário, não procurando outras vias de diálogo e cooperação (se não há o que queremos, invente-se!). Apesar de muito se queixar do papel diminuto dos pais-educadores, a escola, não lhes oferece um papel mais activo. Isto lembra-me sempre um caso de uma senhora que conheci há uns anos, cujo filho faltou persistentemente às aulas e ela nunca foi avisada de nada (foi só um exemplo para se perceber melhor o que disse). Há muito caminho para trilhar, nesta matéria...

Um abraço muito amigo,
Liliana

Anónimo disse...

olá de novo! Muito pertinente este tema e as tuas considerações acerca do caminho a tomar. Em total acordo. Todavia, falar nas escolas de anatmo-fisiologia reprodutora, prevenção de doenças e contracepção parece-me ser já revolucionário o suficiente para a educação sexual nas escolas. De contrário não haveria tantos impasses, ou tanto tempo de espera. É a própria sociedade (pais, igreja no seu todo)que transformou o assunto vida sexual/emocional em tabu, sendo que a ela - como um todo-, cabe o desfazer do mesmo, não aos professores e médicos que são chamados a falar pontualmente destes assuntos nas escolas. Penso que deveria existir uma disciplina de educação para a cidadania, que englobando 1.educação sexual, 2.direitos fundamentais e noções de cidadania em democracia, 3.ética e moral, 4. história das religiões, poderia obter sucesso onde tantas outras falharam: a formação de uma consciencia humana livre, pensante, conhecedora e construtora do seu espaço e capaz de assumir com responsabilidade as decisões que toma. Um verdadeiro cidadão do mundo.

Anónimo disse...

Começo por aplaudir como termina o teu texto: "Escola de Pais". Educação para os pais em primeiro lugar, sem dúvida. Eles são o lar dos afactos, da responsabilidade e são o meio para compreender a sexualidade pois é ai que se vê pela primeira vez que há dois sexos: a mãe e o pai. E é nessa confiança e saber paterno que se deve explicar, tirar duvidas, até questionar... conjugando as anatomias e fisiologias que se vai aprendendo na escola desde o meio fisico da 3ª/4ª classe, ao corpo Humano do 5º/6º ano e à biologia do 8ºano.

Tenho reservas em delegar para a escola esta área. Parece-me que é dificil haver uma coordenação psicosocial sexual. Qual seria o professor habilitado para isso: um biologista? um psicologo? uma anatomista? um filosofo? um médico?

Parece-me que os pais serão os melhores educadores. E são estes que precisam de formação para sabercomo educar os seus filhos quer na área da psicologia e dos afectos, quer nas áreas da biologia e da anatomia .... ou da saude....

A escola nunca conseguirá substituir o papel dos pais...nem deve.

Até que depois cada familia inclui ou não a área religiosa ....

Bjs

Cândida