quarta-feira, 28 de março de 2007

Cogito VII - A consciência histórica portuguesa

A surpresa não foi a minha reacção ao ver que António de Oliveira Salazar foi eleito "o maior português de sempre", no programa da RTP1, ou seja, a personalidade que o país (quem votou!), escolhe como sendo a figura representativa do espírito nacional. A série de programas anteriores antecipava este final, na minha óptica, fortemente contestário, sem excluir o sentimento saudosista e sebastianista característicos do povo lusitano.

Os analistas políticos, os historiadores e outros terão, certamente, a sua palavra crítica relativamente à eleição do governador, um dos políticos a bater recordes no Guiness, pela estadia mais longa no poder. Fora as análises políticas e sociológicas desta polémica (não deixaria de o ser se Álvaro Cunhal tivesse ficado em primeiro lugar - ainda assim pergunto se o alarido seria tanto), outra análise não deve deixar de ser realizada. Refiro-me ao Museu de Salazar.

O Museu de Salazar foi, no início deste mês, alvo de muita contestação, sobretudo por grupos extremados de direita e de esquerda. Está já disponível na Internet uma petição contra a sua criação. São estes os pólos da discórdia: Salazar é um "herói" e um "odiado". Protegeu Portugal da entrada numa 2.ª Guerra Mundial (já tínhamos entrado numa 1.ª pelas mãos de Afonso Costa, abrindo portas ao ditador), mas não da Guerra Colonial; equilibrou as Finanças do Estado, mas retardou a evolução do país, na década de 40, andando ainda nós a reboque dos outros Estados da União Europeia.

Museu de Salazar. Sim ou não?

Sempre me perguntei por que razão não haveria de existir um museu dedicado a Salazar que incorporasse um Centro de Estudos e um Museu do Estado Novo. Carecemos, na verdade, de estudos avançados e de investigação científica rigorosa sobre Salazar, sobre o Estado Novo e sobre o período pós-25 de Abril. Um museu como este poderá contribuir validamente para o estudo científico do período histórico do Estado Novo, da documentação pessoal do político-ditador que continua amontoada à espera do corajoso que se atire a ela com unhas e dentes.

Exceptuando, pois, as ironias de Joana Amaral Dias que se refere aos bens de Salazar como "cangalhada sem relevância científica", tudo é motivo válido para que as gerações de hoje e do futuro conheçam o que não viveram. Apesar de tudo, a questão é ainda mais melindrosa do que à primeira vista pode parecer, não pelas vozes de descontentamente que se levantam, mas porque passou ainda pouco tempo para que possamos avaliar com espírito crítico e isento o período histórico do Estado Novo, em Portugal. A servir estes intentos é necessário que passe, no mínimo, um século. Cinquenta anos depois da Revolução, ainda por fazerem, é metade de uma vida. Os meus avós viveram esse tempo. Os meus pais lembram-se do dia 25 de Abril de 1974, tanto que o meu pai, com 14 anos, apercebendo-se do revolucionário que estava a ser aquela quinta-feira, comprou o jornal.
Um programa como o d'"Os Grandes Portugueses", reabilintando uma "força" antiga, só vem confirmar que o Portugal de hoje precisa, de facto, de um Museu de Salazar e do Estado Novo, assim como de estudos científicos nesta área, pois compreender aquela figura política e o seu período histórico é também compreender o que hoje somos, os excessos e os retrocessos em que o país mergulhou (a falta de autoridade é um bom exemplo).

O problema nem é tanto se deve ou não existir um Museu de Salazar com um Centro de Estudos e um Museu do Estado Novo, contrariamente aos excessos que se fazem ouvir (ver aqui1 e aqui2). O problema é antes quando é que esse estudo largo, rigoroso e isento deve ter o seu início, pois as marcas do Estado Novo são ainda muito recentes. Penetrar na História, julgando-a, (re)descobrindo verdades e mentiras é "atacar" pessoas vivas. Temos consciência do que é descobrir "tudo" sobre a morte de Francisco Sá Carneiro, sobre a fracassada descolonização (motivo da miséria das ex-colónias), sobre o momentos imediatos à Revolução, sobre os movimentos de Esquerda, sobre os ataques a quem era de Direita, sobre os retornados?

Haja, enfim, um Museu de Salazar e não se ignore o passado, porque fazê-lo é não perceber o quanto a Revolução dos cravos foi um marco importante na História da nossa Nação e é, sobretudo, esconder de quantos não a viveram (como eu!), o bom e o mau de que a História portuguesa é feita. Esta é uma exigência da nossa Democracia... ou Portugal continuará a votar Salazar... Quanto aos estudos científicos... esperemos pela verdade mais tarde...

2 comentários:

João Santos disse...

Terão que se esperar alguns anos para se fazer história de forma científica relativamente a este período. É certo. Mas o meu avô, com 90 anos, tem o século XX todo no bolso e contou-me a história e as estórias da recente história portuguesa. Não foi tão má quanto a têm pintado e o hoje, em vários domínios, está pior do que esteve. E não tenhamos dúvidas, se ditador quisermos chamar a Salazar, de mega-ditador teremos que apelidar Sócrates, que lhe tem seguido o estilo. E só assim infelizmente poderia ser.

Liliana F. Verde disse...

O fundamental é saber distinguir o bem do mal. O regime do Estado Novo teve muita coisa má, mas os governos pós-25 de Abril não são propriamente a maravilha que se querem fazer crer...
A minha professora da primária, uma daquelas que nunca se esquece, viveu e deu aulas "no tempo de Salazar" e diz que "nunca viu uma ditadura como a de agora"... Dá que pensar, não dá?