Hoje, foi a última vez que participei no blogue “A minha vida é um dom”.
Quando, em 1998, Portugal realizou um referendo sobre a “despenalização da prática de aborto” não podia ainda exercer o direito de voto. Não estava, apesar de tudo, preparada para reflectir ou para tomar uma decisão que, muito mais do que pessoal, comprometia uma Sociedade inteira. A responsabilidade é tanta num voto que só admite duas opções, “sim” ou “não”, que quando nos apercebemos da realidade que ele abrange, nos dá vontade de alheamento total ou de o encarar como uma mera e simples discussão de café, portanto, com pouca reflexão, sem pensarmos nas consequências que daí advêm. É uma tentação fácil.
Ninguém nos prepara/ou para isto. De repente, vemo-nos confrontados com uma pergunta, em referendo, que exige muita reflexão, quiçá estudo, e nem sabemos que fazer. A nossa opinião, não raras vezes, vai-se formando no contexto social em que estamos inseridos, muito no familiar e nas experiências pessoais. O meu, e o de qualquer pessoa, não é alheio a isso.
Não raras vezes senti que muita gente julgava que um “sim” ganho no referendo traria a Fortuna a Portugal. Nem Sorte, nem resolução dos problemas sociais e económicos. Trará muitas injustiças e não nos livrará da crise.
Não há vez nenhuma (vou acreditar nisso!), em que uma pessoa não se pergunte se o aborto é ou não legítimo. Em torno disso começa-se a procurar respostas a muitas perguntas, a ler tudo o que apareça à frente. Aquando do referendo de 1998, procurei inteirar-se um pouco sobre a situação, numa perspectiva de formação pessoal sobre o assunto. É triste ver como as bibliotecas são parcas em bibliografia sobre esta temática, como se procura um livro sobre Ética e ele não existe.
Numa primeira instância, às minhas mãos, veio logo Peter Singer, em “Ética Prática”. Nada melhor para começar… E foi assim que já estive do outro lado da barricada! Por pouco tempo, mas já estive.
Mete dó ver como a vida humana é tão facilmente desmembrada e desacreditada em meia dúzia de pinceladas argumentativas. Parece que tudo bate certo, ao ler-se Peter Singer, quando, subitamente, nos apercebemos de que algo não está bem: defende-se a vida animal não-humana, mas não a humana, e desacredita-se a validade das pessoas com deficiência. Disse Peter Singer isto: «Se compararmos honestamente o vitelo, o porco e o frango com o feto, utilizando critérios moralmente significativos, tais como a racionalidade, a consciência de si, a autonomia, o prazer e a dor, então, estes animais surgem um lugar acima do feto, qualquer que seja o tempo da gravidez, porque um peixe manifesta mais sinais de consciência do que um feto de três meses.». Algo não bate certo! Vai contra tudo o que o Ser Humano tem lutado durante séculos!!! Este é um reducionismo desconcertante, mas fortemente aceite. Não pode, esta teoria, estar certa. (O que não quer dizer que tudo o que Peter Singer defenda esteja errado!) O aborto apresentou-se-me, assim, desde aquelas minhas primeiras leituras em torno desta questão como uma questão ética complexa de difícil abordagem.
Poucos anos depois da entrada na Universidade conheci a A.D.A.V. e contactei com pessoas que se empenham verdadeiramente para ajudarem mulheres em dificuldades. Soube de casos de aborto, daqueles que mais pareciam tirados de histórias de terror, justamente dos “porque sim”. Vi movimentarem-se silenciosamente os cordelinhos para um novo referendo, mas nunca imaginaria que menos de uma década depois de um referendo pudesse existir outro. Este foi todo um tempo de incubação, de pressões fortes para que chegássemos ao ponto a que chegámos. É triste falar assim, mas não espanta, nem surpreende de todo.
Os grupos frequentemente denominados pró-vida, depois do referendo de 98, empenharam-se fortemente numa luta desonesta e com poucos apoios. Assim, nasceram diversas instituições de apoio à mulher grávida e à maternidade, cujos apoios se estendem desde a ajuda material à ajuda psicológica. São exemplos vivos dessa ajuda o “Ponto de Apoio à Vida”, a “A.D.A.V. – Associação de Defesa e Apoio da Vida”, a “Ajuda de Berço”.
Outros grupos associaram-se à defesa da mulher e dos seus bebés, como as “Mulheres em Acção”, a “Associação Portuguesa de Maternidade e Vida”, o “Movimento de Defesa e Apoio da Vida”, os “Juntos pela Vida”, a “Associação Famílias”, a “Associação Família e Sociedade”, o “CENOFA – Centro de Orientação Familiar”, a “AMV—Associação ‘Missão: Vida’”, a “APFN - Associação Portuguesa de Famílias Numerosas”, os “Jovens Pró-Vida”, a “Federação Portuguesa pela Vida”, a “Associação Vida Universitária”, a “Associação Sabor da Vida”, entre outros.
Apesar de todos os esforços, as pressões para a realização de um novo referendo multiplicaram-se, destacando-se duas acções: as manifestações em frente a tribunais, nos célebres julgamentos da Maia, e o barco do aborto das “Woman on waves”, a convite da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR). Os julgamentos de mulheres acusadas pela prática de aborto tiveram sempre uma projecção mediática, desejável. Em nenhum caso houve prisão.
Em Janeiro de 2005, o movimento “Mais Vida, Mais Família”, que reuniu mais de 125 mil assinaturas, no espaço de um mês, propunha o seguinte:
a) O reforço da protecção da vida e dignidade de cada ser humano, no decorrer da última revisão constitucional;
b) Um regime legal de protecção jurídica de cada ser humano, na sua fase embrionária;c) Iniciativas legislativas de promoção da família nos domínios fiscal, laboral, habitacional, da segurança social, da saúde e da educação e
d) Medidas concretas de defesa da vida e da dignidade de cada ser humano, em particular, da mulher, muito em especial de apoio à mãe grávida em dificuldade, bem como ao recém-nascido.
Não se fez caso nenhum.
Um ano antes do pedido de um novo referendo, as respostas ou a falta delas, no caso do P.S., C.D.U. e B.E., às perguntas feitas por aquele movimento, salientavam já a posição dos mesmos.
Se não houvesse um referendo ou se o “não” voltasse a ganhar, já tudo estava bem jogado e preparado… com as clínicas de aborto que vivem à conta de abortos, não do esclarecimento das mulheres… O lucro compensa.
Leiam-se a este propósito os artigos:
- “O 'interesse público' e o aborto privado”, de Alexandra Teté (30-06-2005);
«Na passada terça-feira, o senhor ministro da Saúde anunciou que vai recorrer a clínicas privadas para garantir às mulheres portuguesas um aborto legal, quando este não é "resolvido" nos hospitais públicos. Assim, seria prosseguido o "interesse público", torneando o alegado incumprimento da lei naquelas instituições e a invocação de objecção de consciência por parte dos médicos. Não sabemos bem se esta é uma determinação do Governo ou o desabafo de uma aspiração pessoal do senhor ministro com os jornalistas. De qualquer modo, trata-se de uma orientação "chocante", (…)
(…)
É difícil perceber qual é a ordem de prioridades deste Governo e, em particular, do senhor ministro da Saúde, nos assuntos relacionados com a saúde dos Portugueses. Há dias afirmava ser "irrelevante" que milhares de Portugueses estejam em lista de espera para cirurgias nos hospitais. Porque não se lembrou o senhor Ministro de protocolar estas cirurgias com clínicas privadas? Não são estas do interesse público?
(…)
E porquê esta prioridade nas vésperas de um referendo que se assume vir a liberalizar o aborto? Porque a liberalização do aborto, para alguns, corresponde a uma obsessão ideológica uma obstinação radical em recusar o valor intrínseco da vida humana. Senhor ministro: é isto o "interesse público"?».
e
- “A privatização do aborto”, de Alexandra Teté (05-07-2005):
«Tal como tinha ameaçado, o ministro da Saúde anunciou que vai contratar clínicas privadas para garantir às mulheres portuguesas um aborto legal, quando este não é "resolvido" nos hospitais públicos.
(…)
(…) essa intenção do senhor ministro é precipitada e perigosa, atendendo à experiência espanhola. É hoje um dado adquirido que em Espanha a lei é violada, sistematicamente, pelas clínicas privadas (que realizam 90 por cento dos abortos legais): aí, 97 por cento dos abortos provocados são justificados por motivos ligados à saúde materna e, numa proporção esmagadora, são invocados motivos psíquicos sem validação psiquiátrica. Como ainda recentemente foi sublinhado num seminário realizado na Assembleia da República, o que há de facto em Espanha, no sector privado, é o negócio florescente e fraudulento do aborto "a pedido", à margem da lei e com a complacência das autoridades.
(…)
Recordo que, no final de 2004, um parecer do Colégio (português) de Especialidade de Psiquiatria da Ordem dos Médicos considerou perfeitamente correcta uma interpretação da lei (como ocorre em Portugal) que não deslize para abusos, ao contrário do que acontece em Espanha, onde a interpretação legal comum corresponderia a uma prática negligente e abusiva da lei.»
O contexto do país foi-se alterando tanto que outras e novas alternativas ao aborto livre foram postas em cima da mesa:
- “Proteger sem Julgar”, proposta de Pedro Vaz Patto, Alexandra Teté, Cláudio Monteiro que pretendia "conciliar a censura do aborto, enquanto atentado à vida humana, com uma atitude solidária para com as mulheres que, muitas vezes em situações dramáticas ou sob fortes pressões externas, são levadas a essa prática",
Uma medida similar tinha sido proposta pelo P.C.P., a de suspender as investigações e os julgamentos dos casos de aborto, com a diferença de que a primeira pretendia a sua prevenção.
Houve ainda outras propostas:
- a de Maria do Rosário Carneiro e de Teresa Venda que consistia na “suspensão provisória dos processos-crime para impedir o julgamento de mulheres que interrompam ilegalmente uma gravidez”;
- a de Zita Seabra;
- e a de Freitas do Amaral.
Com pontos coincidentes ou não, as propostas foram lançadas de modo a que não se liberalizasse e descriminalizasse a prática do aborto. Muito raramente se ouviu falar delas. Não se discutiram sequer.
É de comum acordo que o aborto é um mal (afirmar o contrário só por masoquismo). Deste modo, há que o combater, tentar diminui-lo, seja ele clandestino ou não, pois ele é provocador de traumas físicos, psicológicos, individuais e sociais que, muitas vezes, nem o tempo é capaz de apagar. Eu conheço mulheres que optaram pelo aborto. Não foi a solução que esperavam. O aborto assemelhou-se como a primeira solução, porém não foi a solução… nem pode ser encarado como a primeira solução... Disse-me uma amiga, muito recentemente: “Sinto-me como se tivesse sido violada”…
Ironicamente, nem votei neste referendo. Todo o tempo, desde os primeiros zum-zuns de um novo referendo até aos seus resultados, que me encontrei no estrangeiro, a muitas milhas de distância de Portugal. A Internet foi a minha ponte, todos os dias, com o meu país e com o que lá se passava/passou (e sabia melhor o que se passava do que muitos Portugueses!). Não deixei, porém, de discutir a pergunta a referendar com amigos e familiares e tenho plena consciência de ter feito pessoas pensarem em muitos aspectos que estavam em jogo. Outras, não as consegui fazer moverem a sua posição. Depois do meu regresso à pátria encontrava-me com um novo direito, que eu rejeito por completo e lamento profundamente que se tenha aprovado.
O tema é, na minha opinião, demasiado aligeirado, sem a profundidade que lhe é devida. Não raras vezes, quando se debate este assunto, nem tudo é acessível às pessoas (falo também por mim!), pois a gama de informação é tão vasta que é impossível dominar todas as áreas de abordagem. Falar de aborto é falar de muitas e várias áreas que se entrecruzam, a saber: a Jurisprudência, a Medicina, a Embriologia, a Fetologia, os Direitos Humanos, a Política legislativa, a Política familiar, a Moral, a Ética, a Educação para a Sexualidade e Afectividade, a Psicologia, a Psiquiatria, a Sociologia, a Antropologia.
Errar é humano, mas deixarmos que o erro ponha em causa o Ser Humano (é bom que vejamos bem a dimensão do problema que estamos a gerar!), é continuar a cooperar e a perpetuar a falha terrível da não-defesa da Vida Humana. Um dia, do mesmo modo que o fazemos hoje em relação às mulheres, aos negros, às minorias étnicas, etc., vai dizer-se “Como é que era possível?!” em relação ao que estamos a fazer.
Não sei como as gerações do futuro encararão o aborto. Esbater-se-á a sua ilicitude?
Fiz o melhor que pude e de que fui capaz. Gostaria de ter respondido mais e melhor a quem participou neste blogue e no “A minha vida é um dom”. Espero ter contribuído para a discussão do problema, ter alertado para problemas futuros e esclarecido algumas questões.
Ao contrário do que muitas vezes se faz passar, defender a vida intra-uterina, em qualquer um dos seus estádios de gestação não é coisa de fanáticos religiosos, de radicais retrógradas, de conservadores, de velhos ou de hipócritas como tantas vezes fomos apelidados (recebemos essas mensagens no nosso correio electrónico!). Defender a vida intra-uterina é defendermo-nos a nós próprios, Humanos, com capacidade de decisão, de fazer viver ou de matar.
Não quis que o blogue encerrasse logo após o referendo. Muitos dos “posts” que aqui coloquei, depois do dia 11 vieram desmentir o que muitos dos defensores do “sim” vinham apregoando durante a campanha. Esta não passou, muitas vezes, de mentiras e ludíbrios.
Qualquer aborto realizado fora das prescrições da Lei será crime. A clandestinidade e o turismo do aborto continuarão. O problema não ficou resolvido. As taxas de natalidades prometem dar algumas dores de cabeça, o SNS continua a ser injusto, sendo que uma mulher que queira abortar tem todos os direitos. A lei não devia ser dissuasiva? E suportar os custos da educação de um filho, trazendo-o ao mundo é (quase) uma missão heróica…
Muitos podem ser os problemas éticos com os quais nos defrontamos, tais como a pena de morte ou a eutanásia, mas de todos eles, o aborto continua a chocar-me profundamente. «No caso do aborto há “outro”» – a frase é de Norberto Bobbio, italiano agnóstico, que, no referendo italiano, em tudo semelhante ao português, votou “não”. Porque todos estamos de acordo que Ele/Ela existe, “(…) a maior das “humilhações” [seria] é a do feto a quem não se reconhece a existência e o direito a viver.”
Nunca vi até hoje nenhuma mulher arrepender-se de ter tido um filho, por muitas dificuldades que sentisse (exceptuo num único caso: no “Sociedade Civil”, num dos programas de discussão, uma mulher dizia não ter tido vida própria. Que a terá levado a dizer isso? Terá tido a ajuda necessária?). E quantas mulheres continuam a sentir ainda, depois de anos de luta, o gosto amargo da exclusão. Helena Silva, a mãe do conhecido “menino Azul”, por exemplo. Acredite quem quiser, quem não quiser não acredite, mas as palavras daquela mãe foram, para mim, uma chapada na cara: «“Não ter condições para criar filhos não é razão. Eu criei um filho, nestes 11 anos, com uma doença gravíssima, sem qualquer ajuda. Saí da minha terra só com um saco na mão e lutei pela saúde do meu filho, porque o mais fácil seria ter abortado.”».
Contrariamente à posição de algumas pessoas, não concordo que “o aborto é assunto da mulher”. É-o em parte, mas nunca o será na sua totalidade. O nascimento de uma nova vida é fruto da relação de duas pessoas, ainda que pela P.M.A. (procriação medicamente assistida). O aborto diz respeito a todos, porque o Ser Humano não é da esfera individual, mas da esfera comunitária, social, Humanitária. Por isso o Ser Humano é um ser-com-os-Outros, em Sociedade.
Julgo, assim, distinguirem-se dois planos que se interpenetram: o da esfera singular e o da esfera social. O individual, numa tríade singular: mulher/homem/criança-por-nascer. O social: família/criança/comunidade.
É uma surpresa imensa ver como os homens se votam, na sua grande maioria, a um silêncio aterrador, num tempo em que tanto se fala de igualdade de direitos, nos seus direitos de serem pais.
O poder mudou e tende a mudar, longe da pretendida paridade. Aliás, como refere Évelyne Sullerot, em “Que pais, que filhos?”, “o poder mudou de sexo”: o pai é, hoje, o sexo fraco.
Surpreendente por ser uma feminista de gema e uma das primeiras lutadoras pelo Planeamento Familiar, em França, num tempo em que ainda não se falava de pílula, Évelyne Sullerot arrasou o mundo feminista com um pensamento inquietante e verdadeiro: o pai eclipsou-se ("O que eu desejo é procurar compreender e explicar o ocaso dos pais, que se verifica na actualidade, ocaso esse que afecta por sua vez a sua condição civil e social, o seu papel biológico na geração, o seu papel na família, a sua imagem na sociedade, a ideia que eles próprios têm da paternidade, da sua dignidade, dos seus deveres, a percepção que têm da sua identidade como pais, o modo como sentem as suas relações com as mães dos seus filhos e com as mulheres, e a forma como imaginam o futuro da paternidade".).
O pós-guerra trouxe a aparição de um novo matriarcado que conferiu todo o poder para as mulheres, nos casos de conflito familiar. Daí a impossibilidade de tantos pais terem os seus filhos, alguns até, numa moda repentina e doentia, acusados, em tribunal, de violarem os seus filhos. O direito da paternidade é-lhes, muitas vezes, negado, injusta e perfidamente, até, muitas vezes, o divórcio é por elas pedido e a custódia é, não raras vezes, cedida à mãe. É ela também quem decide se os filhos continuarão ou não a manter o contacto com o pai ("a paternidade, hoje, depende da mãe, da sua vontade, e das relações que ela mantenha com o pai"), ou se este será substituído por outro.
Segundo a autora citada, o sistema patriarcal vacila, pois, agora, é a mulher que tem o poder sobre a fecundidade, devido aos anticonceptivos e à fecundação artificial. "Passámos do reino dos pais ao reino das mães".
E que tem tudo isto a ver com o tema em questão? Tão simples como isto: o papel do homem-pai dilui(u)-se. Ganhou o da mulher que decide quando e se vai ou não ter filhos, os já concebidos ou não. Esta situação conduzirá a Humanidade a uma degradação dos valores estruturantes, os da família, enquanto micro-estrutura da macro-estrutura social.
A questão não está, contudo, em saber quem há-de ter o direito ao filho, e se o há-de ter, a questão está em que toda a criança, nascida ou por nascer, tendo direito à vida, tem também o direito à figura materna e à paterna, figuras absolutamente necessárias para a configuração da personalidade.
As transformações sociais são tão grandes que assim como nasceu a figura da paternidade, depressa morreu.
Num tempo em que o reconhecimento e aceitação de funções e responsabilidades deveriam ser encarados como um modelo social e político, assistimos, de novo, na História, à desigualdade, pela radicalização de domínio de uma das partes.
O homem precisa de ser defendido no seu papel de pai. A sua revalorização e defesa dos seus direitos não se dá por uma lei que admite que seja relegada à mulher a decisão de abortar. Será que eles não são responsáveis? Ou não querem ser responsabilizados pelo que fazem?
O homem precisa de interiorizar a sua responsabilidade perante a paternidade biológica e sócio-afectiva. O mesmo se diga da mãe relativamente à maternidade. Aos dois, portanto, fruto do seu amor, pretendem-se obrigações paterna e materna, numa dinâmica complementar e subsidiária.
É de perguntar, no final de tudo isto: afinal, onde param os homens (os verdadeiros, subentenda-se)? Os homens conscientes, livres e responsáveis? E como explicar o silêncio deles?
Desenganem-se, pois, os que pensam que vivemos e caminhamos para a igualdade. Há dois elos mais fracos nesta história toda e que, como tal, não têm/tiveram qualquer consideração: a criança por nascer e o pai.
Enfim, acima de tudo está/esteve em causa proteger a Vida Humana, sendo ela o imperativo mais alto, um Valor em si mesma e uma questão civilizacional, como muito bem referiram os colaboradores do Blogue do Não. Estão, de facto, os Direitos Humanos em causa. Às 10 semanas há vida humana, com uma história, que só precisa de crescer. A ciência evoluiu. Os conhecimentos de hoje não são os de há 30, 20 ou mesmo 10 anos atrás. A ecografia 3D ou 4D mostra-nos, hoje, aquilo que podíamos questionar há uns anos atrás, mas não hoje! Chamar “coisa humana” ao embrião/feto, como lhe chamou Lídia Jorge, atesta ignorância científica…
Há, hoje, como que uma espécie de “euforia do aborto”. Na América Latina, o aborto é já um tema de quente discussão. Depois da América do Norte, de Cuba e do México, o Brasil debate um possível referendo.
E como se não deixasse de ser, a “Carta de Princípios para uma Outra Europa”, entre muitas outras medidas alternativas à Carta da União Europeia, apresenta como medida alternativa, no ponto referente à discriminação, o seguinte:
“All public institutions must guarantee the human rights and freedoms of woman and take action against all forms of patriarchy. Every woman, in every country, will have the liberty to control her body, notably the right to abortion, contraception, the choice of maternity and control over artificial fertilization. Every woman will have the right to choose how she conducts her private life (celibaty, marriage, cohabitations, divorce). Institutions must take actions against all forms of patriarchy. They must commit themselves to ending all trafficking in human beings and slavery in all its forms.”.
Quais as medidas para o futuro?
A grande arma de combate ao aborto, clandestino ou não, é a prevenção e as políticas sociais de ajuda à família.
Volto a subscrever o que disse no “post” de sexta-feira, antes do referendo e apontar algumas medidas depois da vitória do “sim”:
Espero que TODOS, apoiantes do “não”, apoiantes do “sim”, comunidade em geral, começando pelo Estado, se empenhem no combate às causas que levam ao aborto, clandestino ou não, eliminando as suas causas económicas, sociais e psicológicas. Isolar o aborto como um facto não leva a nada.
Espero, pois, que os Governos Portugueses (este e os próximos), se empenhem em iniciativas políticas, sociais e legislativas (para pôr em prática!) de promoção da família e da natalidade em diversos domínios: fiscal, laboral, habitacional, segurança social, saúde, transportes, educação, cultura. Assim, que essas iniciativas, devidamente estudadas, ponderadas e reflectidas, passem por políticas de protecção da família e da parentalidade (maternidade e paternidade); ajuda à mulher grávida em dificuldades; planeamento e aconselhamento familiar; educação nas escolas que passe pela formação humana, pessoal e social; revisão do mecanismo de adopção, de modo a tornar-se mais célere e eficaz; medidas de saúde, educação, justiça e cultura que promovam o bem-estar e a qualidade de vida dos cidadãos, incentivando os grupos familiares; trabalho e oportunidades laborais; voluntariado e trabalho cívico.
São políticas de intervenção social e económica que o país precisa. Liberalizar o aborto sai mais barato e dá menos dores de cabeça do que tudo aquilo que aqui ficou dito. O Liberalismo e o Capitalismo não podiam ser mais evidentes…
Será necessário também um estudo aprofundado sobre as causas que levam as mulheres a abortar e um estudo aprofundado sobre os abortos clandestinos para que se acabe com este flagelo… ou ele será imparável.
Passou-se um cheque em branco ao Governo que legislou como quis.
Falha-se, ao defender-se o aborto, na defesa dos Direitos Humanos.
Como é que é possível que Portugal tenha aprovado uma lei que permite que se ponha fim, que se mate, vidas humanas em formação?!
Não acredito que todas as pessoas que votaram “sim” tivessem verdadeiramente consciência do que estivesse para vir e que, muitas delas, foram enganadas (outras nem tanto!) ou iludidas. Nem tudo o que luz é ouro…
Portugal, depois do referendo do dia 11 de Fevereiro, já praticou abortos ao abrigo da nova lei. Já dezenas de bebés morreram. Morreram, ponto final! Ninguém os trará de volta.
Infelizmente esta lei será irreversível.
Está tudo por fazer.
As gerações do futuro terão muito por que se arrepender, assim como as de hoje já têm, pelo que não fizeram… É a loucura dos homens e das mulheres…
P.S.
Boas férias. Eu já tenho as malas feitas.
Quando, em 1998, Portugal realizou um referendo sobre a “despenalização da prática de aborto” não podia ainda exercer o direito de voto. Não estava, apesar de tudo, preparada para reflectir ou para tomar uma decisão que, muito mais do que pessoal, comprometia uma Sociedade inteira. A responsabilidade é tanta num voto que só admite duas opções, “sim” ou “não”, que quando nos apercebemos da realidade que ele abrange, nos dá vontade de alheamento total ou de o encarar como uma mera e simples discussão de café, portanto, com pouca reflexão, sem pensarmos nas consequências que daí advêm. É uma tentação fácil.
Ninguém nos prepara/ou para isto. De repente, vemo-nos confrontados com uma pergunta, em referendo, que exige muita reflexão, quiçá estudo, e nem sabemos que fazer. A nossa opinião, não raras vezes, vai-se formando no contexto social em que estamos inseridos, muito no familiar e nas experiências pessoais. O meu, e o de qualquer pessoa, não é alheio a isso.
Não raras vezes senti que muita gente julgava que um “sim” ganho no referendo traria a Fortuna a Portugal. Nem Sorte, nem resolução dos problemas sociais e económicos. Trará muitas injustiças e não nos livrará da crise.
Não há vez nenhuma (vou acreditar nisso!), em que uma pessoa não se pergunte se o aborto é ou não legítimo. Em torno disso começa-se a procurar respostas a muitas perguntas, a ler tudo o que apareça à frente. Aquando do referendo de 1998, procurei inteirar-se um pouco sobre a situação, numa perspectiva de formação pessoal sobre o assunto. É triste ver como as bibliotecas são parcas em bibliografia sobre esta temática, como se procura um livro sobre Ética e ele não existe.
Numa primeira instância, às minhas mãos, veio logo Peter Singer, em “Ética Prática”. Nada melhor para começar… E foi assim que já estive do outro lado da barricada! Por pouco tempo, mas já estive.
Mete dó ver como a vida humana é tão facilmente desmembrada e desacreditada em meia dúzia de pinceladas argumentativas. Parece que tudo bate certo, ao ler-se Peter Singer, quando, subitamente, nos apercebemos de que algo não está bem: defende-se a vida animal não-humana, mas não a humana, e desacredita-se a validade das pessoas com deficiência. Disse Peter Singer isto: «Se compararmos honestamente o vitelo, o porco e o frango com o feto, utilizando critérios moralmente significativos, tais como a racionalidade, a consciência de si, a autonomia, o prazer e a dor, então, estes animais surgem um lugar acima do feto, qualquer que seja o tempo da gravidez, porque um peixe manifesta mais sinais de consciência do que um feto de três meses.». Algo não bate certo! Vai contra tudo o que o Ser Humano tem lutado durante séculos!!! Este é um reducionismo desconcertante, mas fortemente aceite. Não pode, esta teoria, estar certa. (O que não quer dizer que tudo o que Peter Singer defenda esteja errado!) O aborto apresentou-se-me, assim, desde aquelas minhas primeiras leituras em torno desta questão como uma questão ética complexa de difícil abordagem.
Poucos anos depois da entrada na Universidade conheci a A.D.A.V. e contactei com pessoas que se empenham verdadeiramente para ajudarem mulheres em dificuldades. Soube de casos de aborto, daqueles que mais pareciam tirados de histórias de terror, justamente dos “porque sim”. Vi movimentarem-se silenciosamente os cordelinhos para um novo referendo, mas nunca imaginaria que menos de uma década depois de um referendo pudesse existir outro. Este foi todo um tempo de incubação, de pressões fortes para que chegássemos ao ponto a que chegámos. É triste falar assim, mas não espanta, nem surpreende de todo.
Os grupos frequentemente denominados pró-vida, depois do referendo de 98, empenharam-se fortemente numa luta desonesta e com poucos apoios. Assim, nasceram diversas instituições de apoio à mulher grávida e à maternidade, cujos apoios se estendem desde a ajuda material à ajuda psicológica. São exemplos vivos dessa ajuda o “Ponto de Apoio à Vida”, a “A.D.A.V. – Associação de Defesa e Apoio da Vida”, a “Ajuda de Berço”.
Outros grupos associaram-se à defesa da mulher e dos seus bebés, como as “Mulheres em Acção”, a “Associação Portuguesa de Maternidade e Vida”, o “Movimento de Defesa e Apoio da Vida”, os “Juntos pela Vida”, a “Associação Famílias”, a “Associação Família e Sociedade”, o “CENOFA – Centro de Orientação Familiar”, a “AMV—Associação ‘Missão: Vida’”, a “APFN - Associação Portuguesa de Famílias Numerosas”, os “Jovens Pró-Vida”, a “Federação Portuguesa pela Vida”, a “Associação Vida Universitária”, a “Associação Sabor da Vida”, entre outros.
Apesar de todos os esforços, as pressões para a realização de um novo referendo multiplicaram-se, destacando-se duas acções: as manifestações em frente a tribunais, nos célebres julgamentos da Maia, e o barco do aborto das “Woman on waves”, a convite da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR). Os julgamentos de mulheres acusadas pela prática de aborto tiveram sempre uma projecção mediática, desejável. Em nenhum caso houve prisão.
Em Janeiro de 2005, o movimento “Mais Vida, Mais Família”, que reuniu mais de 125 mil assinaturas, no espaço de um mês, propunha o seguinte:
a) O reforço da protecção da vida e dignidade de cada ser humano, no decorrer da última revisão constitucional;
b) Um regime legal de protecção jurídica de cada ser humano, na sua fase embrionária;c) Iniciativas legislativas de promoção da família nos domínios fiscal, laboral, habitacional, da segurança social, da saúde e da educação e
d) Medidas concretas de defesa da vida e da dignidade de cada ser humano, em particular, da mulher, muito em especial de apoio à mãe grávida em dificuldade, bem como ao recém-nascido.
Não se fez caso nenhum.
Um ano antes do pedido de um novo referendo, as respostas ou a falta delas, no caso do P.S., C.D.U. e B.E., às perguntas feitas por aquele movimento, salientavam já a posição dos mesmos.
Se não houvesse um referendo ou se o “não” voltasse a ganhar, já tudo estava bem jogado e preparado… com as clínicas de aborto que vivem à conta de abortos, não do esclarecimento das mulheres… O lucro compensa.
Leiam-se a este propósito os artigos:
- “O 'interesse público' e o aborto privado”, de Alexandra Teté (30-06-2005);
«Na passada terça-feira, o senhor ministro da Saúde anunciou que vai recorrer a clínicas privadas para garantir às mulheres portuguesas um aborto legal, quando este não é "resolvido" nos hospitais públicos. Assim, seria prosseguido o "interesse público", torneando o alegado incumprimento da lei naquelas instituições e a invocação de objecção de consciência por parte dos médicos. Não sabemos bem se esta é uma determinação do Governo ou o desabafo de uma aspiração pessoal do senhor ministro com os jornalistas. De qualquer modo, trata-se de uma orientação "chocante", (…)
(…)
É difícil perceber qual é a ordem de prioridades deste Governo e, em particular, do senhor ministro da Saúde, nos assuntos relacionados com a saúde dos Portugueses. Há dias afirmava ser "irrelevante" que milhares de Portugueses estejam em lista de espera para cirurgias nos hospitais. Porque não se lembrou o senhor Ministro de protocolar estas cirurgias com clínicas privadas? Não são estas do interesse público?
(…)
E porquê esta prioridade nas vésperas de um referendo que se assume vir a liberalizar o aborto? Porque a liberalização do aborto, para alguns, corresponde a uma obsessão ideológica uma obstinação radical em recusar o valor intrínseco da vida humana. Senhor ministro: é isto o "interesse público"?».
e
- “A privatização do aborto”, de Alexandra Teté (05-07-2005):
«Tal como tinha ameaçado, o ministro da Saúde anunciou que vai contratar clínicas privadas para garantir às mulheres portuguesas um aborto legal, quando este não é "resolvido" nos hospitais públicos.
(…)
(…) essa intenção do senhor ministro é precipitada e perigosa, atendendo à experiência espanhola. É hoje um dado adquirido que em Espanha a lei é violada, sistematicamente, pelas clínicas privadas (que realizam 90 por cento dos abortos legais): aí, 97 por cento dos abortos provocados são justificados por motivos ligados à saúde materna e, numa proporção esmagadora, são invocados motivos psíquicos sem validação psiquiátrica. Como ainda recentemente foi sublinhado num seminário realizado na Assembleia da República, o que há de facto em Espanha, no sector privado, é o negócio florescente e fraudulento do aborto "a pedido", à margem da lei e com a complacência das autoridades.
(…)
Recordo que, no final de 2004, um parecer do Colégio (português) de Especialidade de Psiquiatria da Ordem dos Médicos considerou perfeitamente correcta uma interpretação da lei (como ocorre em Portugal) que não deslize para abusos, ao contrário do que acontece em Espanha, onde a interpretação legal comum corresponderia a uma prática negligente e abusiva da lei.»
O contexto do país foi-se alterando tanto que outras e novas alternativas ao aborto livre foram postas em cima da mesa:
- “Proteger sem Julgar”, proposta de Pedro Vaz Patto, Alexandra Teté, Cláudio Monteiro que pretendia "conciliar a censura do aborto, enquanto atentado à vida humana, com uma atitude solidária para com as mulheres que, muitas vezes em situações dramáticas ou sob fortes pressões externas, são levadas a essa prática",
Uma medida similar tinha sido proposta pelo P.C.P., a de suspender as investigações e os julgamentos dos casos de aborto, com a diferença de que a primeira pretendia a sua prevenção.
Houve ainda outras propostas:
- a de Maria do Rosário Carneiro e de Teresa Venda que consistia na “suspensão provisória dos processos-crime para impedir o julgamento de mulheres que interrompam ilegalmente uma gravidez”;
- a de Zita Seabra;
- e a de Freitas do Amaral.
Com pontos coincidentes ou não, as propostas foram lançadas de modo a que não se liberalizasse e descriminalizasse a prática do aborto. Muito raramente se ouviu falar delas. Não se discutiram sequer.
É de comum acordo que o aborto é um mal (afirmar o contrário só por masoquismo). Deste modo, há que o combater, tentar diminui-lo, seja ele clandestino ou não, pois ele é provocador de traumas físicos, psicológicos, individuais e sociais que, muitas vezes, nem o tempo é capaz de apagar. Eu conheço mulheres que optaram pelo aborto. Não foi a solução que esperavam. O aborto assemelhou-se como a primeira solução, porém não foi a solução… nem pode ser encarado como a primeira solução... Disse-me uma amiga, muito recentemente: “Sinto-me como se tivesse sido violada”…
Ironicamente, nem votei neste referendo. Todo o tempo, desde os primeiros zum-zuns de um novo referendo até aos seus resultados, que me encontrei no estrangeiro, a muitas milhas de distância de Portugal. A Internet foi a minha ponte, todos os dias, com o meu país e com o que lá se passava/passou (e sabia melhor o que se passava do que muitos Portugueses!). Não deixei, porém, de discutir a pergunta a referendar com amigos e familiares e tenho plena consciência de ter feito pessoas pensarem em muitos aspectos que estavam em jogo. Outras, não as consegui fazer moverem a sua posição. Depois do meu regresso à pátria encontrava-me com um novo direito, que eu rejeito por completo e lamento profundamente que se tenha aprovado.
O tema é, na minha opinião, demasiado aligeirado, sem a profundidade que lhe é devida. Não raras vezes, quando se debate este assunto, nem tudo é acessível às pessoas (falo também por mim!), pois a gama de informação é tão vasta que é impossível dominar todas as áreas de abordagem. Falar de aborto é falar de muitas e várias áreas que se entrecruzam, a saber: a Jurisprudência, a Medicina, a Embriologia, a Fetologia, os Direitos Humanos, a Política legislativa, a Política familiar, a Moral, a Ética, a Educação para a Sexualidade e Afectividade, a Psicologia, a Psiquiatria, a Sociologia, a Antropologia.
Errar é humano, mas deixarmos que o erro ponha em causa o Ser Humano (é bom que vejamos bem a dimensão do problema que estamos a gerar!), é continuar a cooperar e a perpetuar a falha terrível da não-defesa da Vida Humana. Um dia, do mesmo modo que o fazemos hoje em relação às mulheres, aos negros, às minorias étnicas, etc., vai dizer-se “Como é que era possível?!” em relação ao que estamos a fazer.
Não sei como as gerações do futuro encararão o aborto. Esbater-se-á a sua ilicitude?
Fiz o melhor que pude e de que fui capaz. Gostaria de ter respondido mais e melhor a quem participou neste blogue e no “A minha vida é um dom”. Espero ter contribuído para a discussão do problema, ter alertado para problemas futuros e esclarecido algumas questões.
Ao contrário do que muitas vezes se faz passar, defender a vida intra-uterina, em qualquer um dos seus estádios de gestação não é coisa de fanáticos religiosos, de radicais retrógradas, de conservadores, de velhos ou de hipócritas como tantas vezes fomos apelidados (recebemos essas mensagens no nosso correio electrónico!). Defender a vida intra-uterina é defendermo-nos a nós próprios, Humanos, com capacidade de decisão, de fazer viver ou de matar.
Não quis que o blogue encerrasse logo após o referendo. Muitos dos “posts” que aqui coloquei, depois do dia 11 vieram desmentir o que muitos dos defensores do “sim” vinham apregoando durante a campanha. Esta não passou, muitas vezes, de mentiras e ludíbrios.
Qualquer aborto realizado fora das prescrições da Lei será crime. A clandestinidade e o turismo do aborto continuarão. O problema não ficou resolvido. As taxas de natalidades prometem dar algumas dores de cabeça, o SNS continua a ser injusto, sendo que uma mulher que queira abortar tem todos os direitos. A lei não devia ser dissuasiva? E suportar os custos da educação de um filho, trazendo-o ao mundo é (quase) uma missão heróica…
Muitos podem ser os problemas éticos com os quais nos defrontamos, tais como a pena de morte ou a eutanásia, mas de todos eles, o aborto continua a chocar-me profundamente. «No caso do aborto há “outro”» – a frase é de Norberto Bobbio, italiano agnóstico, que, no referendo italiano, em tudo semelhante ao português, votou “não”. Porque todos estamos de acordo que Ele/Ela existe, “(…) a maior das “humilhações” [seria] é a do feto a quem não se reconhece a existência e o direito a viver.”
Nunca vi até hoje nenhuma mulher arrepender-se de ter tido um filho, por muitas dificuldades que sentisse (exceptuo num único caso: no “Sociedade Civil”, num dos programas de discussão, uma mulher dizia não ter tido vida própria. Que a terá levado a dizer isso? Terá tido a ajuda necessária?). E quantas mulheres continuam a sentir ainda, depois de anos de luta, o gosto amargo da exclusão. Helena Silva, a mãe do conhecido “menino Azul”, por exemplo. Acredite quem quiser, quem não quiser não acredite, mas as palavras daquela mãe foram, para mim, uma chapada na cara: «“Não ter condições para criar filhos não é razão. Eu criei um filho, nestes 11 anos, com uma doença gravíssima, sem qualquer ajuda. Saí da minha terra só com um saco na mão e lutei pela saúde do meu filho, porque o mais fácil seria ter abortado.”».
Contrariamente à posição de algumas pessoas, não concordo que “o aborto é assunto da mulher”. É-o em parte, mas nunca o será na sua totalidade. O nascimento de uma nova vida é fruto da relação de duas pessoas, ainda que pela P.M.A. (procriação medicamente assistida). O aborto diz respeito a todos, porque o Ser Humano não é da esfera individual, mas da esfera comunitária, social, Humanitária. Por isso o Ser Humano é um ser-com-os-Outros, em Sociedade.
Julgo, assim, distinguirem-se dois planos que se interpenetram: o da esfera singular e o da esfera social. O individual, numa tríade singular: mulher/homem/criança-por-nascer. O social: família/criança/comunidade.
É uma surpresa imensa ver como os homens se votam, na sua grande maioria, a um silêncio aterrador, num tempo em que tanto se fala de igualdade de direitos, nos seus direitos de serem pais.
O poder mudou e tende a mudar, longe da pretendida paridade. Aliás, como refere Évelyne Sullerot, em “Que pais, que filhos?”, “o poder mudou de sexo”: o pai é, hoje, o sexo fraco.
Surpreendente por ser uma feminista de gema e uma das primeiras lutadoras pelo Planeamento Familiar, em França, num tempo em que ainda não se falava de pílula, Évelyne Sullerot arrasou o mundo feminista com um pensamento inquietante e verdadeiro: o pai eclipsou-se ("O que eu desejo é procurar compreender e explicar o ocaso dos pais, que se verifica na actualidade, ocaso esse que afecta por sua vez a sua condição civil e social, o seu papel biológico na geração, o seu papel na família, a sua imagem na sociedade, a ideia que eles próprios têm da paternidade, da sua dignidade, dos seus deveres, a percepção que têm da sua identidade como pais, o modo como sentem as suas relações com as mães dos seus filhos e com as mulheres, e a forma como imaginam o futuro da paternidade".).
O pós-guerra trouxe a aparição de um novo matriarcado que conferiu todo o poder para as mulheres, nos casos de conflito familiar. Daí a impossibilidade de tantos pais terem os seus filhos, alguns até, numa moda repentina e doentia, acusados, em tribunal, de violarem os seus filhos. O direito da paternidade é-lhes, muitas vezes, negado, injusta e perfidamente, até, muitas vezes, o divórcio é por elas pedido e a custódia é, não raras vezes, cedida à mãe. É ela também quem decide se os filhos continuarão ou não a manter o contacto com o pai ("a paternidade, hoje, depende da mãe, da sua vontade, e das relações que ela mantenha com o pai"), ou se este será substituído por outro.
Segundo a autora citada, o sistema patriarcal vacila, pois, agora, é a mulher que tem o poder sobre a fecundidade, devido aos anticonceptivos e à fecundação artificial. "Passámos do reino dos pais ao reino das mães".
E que tem tudo isto a ver com o tema em questão? Tão simples como isto: o papel do homem-pai dilui(u)-se. Ganhou o da mulher que decide quando e se vai ou não ter filhos, os já concebidos ou não. Esta situação conduzirá a Humanidade a uma degradação dos valores estruturantes, os da família, enquanto micro-estrutura da macro-estrutura social.
A questão não está, contudo, em saber quem há-de ter o direito ao filho, e se o há-de ter, a questão está em que toda a criança, nascida ou por nascer, tendo direito à vida, tem também o direito à figura materna e à paterna, figuras absolutamente necessárias para a configuração da personalidade.
As transformações sociais são tão grandes que assim como nasceu a figura da paternidade, depressa morreu.
Num tempo em que o reconhecimento e aceitação de funções e responsabilidades deveriam ser encarados como um modelo social e político, assistimos, de novo, na História, à desigualdade, pela radicalização de domínio de uma das partes.
O homem precisa de ser defendido no seu papel de pai. A sua revalorização e defesa dos seus direitos não se dá por uma lei que admite que seja relegada à mulher a decisão de abortar. Será que eles não são responsáveis? Ou não querem ser responsabilizados pelo que fazem?
O homem precisa de interiorizar a sua responsabilidade perante a paternidade biológica e sócio-afectiva. O mesmo se diga da mãe relativamente à maternidade. Aos dois, portanto, fruto do seu amor, pretendem-se obrigações paterna e materna, numa dinâmica complementar e subsidiária.
É de perguntar, no final de tudo isto: afinal, onde param os homens (os verdadeiros, subentenda-se)? Os homens conscientes, livres e responsáveis? E como explicar o silêncio deles?
Desenganem-se, pois, os que pensam que vivemos e caminhamos para a igualdade. Há dois elos mais fracos nesta história toda e que, como tal, não têm/tiveram qualquer consideração: a criança por nascer e o pai.
Enfim, acima de tudo está/esteve em causa proteger a Vida Humana, sendo ela o imperativo mais alto, um Valor em si mesma e uma questão civilizacional, como muito bem referiram os colaboradores do Blogue do Não. Estão, de facto, os Direitos Humanos em causa. Às 10 semanas há vida humana, com uma história, que só precisa de crescer. A ciência evoluiu. Os conhecimentos de hoje não são os de há 30, 20 ou mesmo 10 anos atrás. A ecografia 3D ou 4D mostra-nos, hoje, aquilo que podíamos questionar há uns anos atrás, mas não hoje! Chamar “coisa humana” ao embrião/feto, como lhe chamou Lídia Jorge, atesta ignorância científica…
Há, hoje, como que uma espécie de “euforia do aborto”. Na América Latina, o aborto é já um tema de quente discussão. Depois da América do Norte, de Cuba e do México, o Brasil debate um possível referendo.
E como se não deixasse de ser, a “Carta de Princípios para uma Outra Europa”, entre muitas outras medidas alternativas à Carta da União Europeia, apresenta como medida alternativa, no ponto referente à discriminação, o seguinte:
“All public institutions must guarantee the human rights and freedoms of woman and take action against all forms of patriarchy. Every woman, in every country, will have the liberty to control her body, notably the right to abortion, contraception, the choice of maternity and control over artificial fertilization. Every woman will have the right to choose how she conducts her private life (celibaty, marriage, cohabitations, divorce). Institutions must take actions against all forms of patriarchy. They must commit themselves to ending all trafficking in human beings and slavery in all its forms.”.
Quais as medidas para o futuro?
A grande arma de combate ao aborto, clandestino ou não, é a prevenção e as políticas sociais de ajuda à família.
Volto a subscrever o que disse no “post” de sexta-feira, antes do referendo e apontar algumas medidas depois da vitória do “sim”:
Espero que TODOS, apoiantes do “não”, apoiantes do “sim”, comunidade em geral, começando pelo Estado, se empenhem no combate às causas que levam ao aborto, clandestino ou não, eliminando as suas causas económicas, sociais e psicológicas. Isolar o aborto como um facto não leva a nada.
Espero, pois, que os Governos Portugueses (este e os próximos), se empenhem em iniciativas políticas, sociais e legislativas (para pôr em prática!) de promoção da família e da natalidade em diversos domínios: fiscal, laboral, habitacional, segurança social, saúde, transportes, educação, cultura. Assim, que essas iniciativas, devidamente estudadas, ponderadas e reflectidas, passem por políticas de protecção da família e da parentalidade (maternidade e paternidade); ajuda à mulher grávida em dificuldades; planeamento e aconselhamento familiar; educação nas escolas que passe pela formação humana, pessoal e social; revisão do mecanismo de adopção, de modo a tornar-se mais célere e eficaz; medidas de saúde, educação, justiça e cultura que promovam o bem-estar e a qualidade de vida dos cidadãos, incentivando os grupos familiares; trabalho e oportunidades laborais; voluntariado e trabalho cívico.
São políticas de intervenção social e económica que o país precisa. Liberalizar o aborto sai mais barato e dá menos dores de cabeça do que tudo aquilo que aqui ficou dito. O Liberalismo e o Capitalismo não podiam ser mais evidentes…
Será necessário também um estudo aprofundado sobre as causas que levam as mulheres a abortar e um estudo aprofundado sobre os abortos clandestinos para que se acabe com este flagelo… ou ele será imparável.
Passou-se um cheque em branco ao Governo que legislou como quis.
Falha-se, ao defender-se o aborto, na defesa dos Direitos Humanos.
Como é que é possível que Portugal tenha aprovado uma lei que permite que se ponha fim, que se mate, vidas humanas em formação?!
Não acredito que todas as pessoas que votaram “sim” tivessem verdadeiramente consciência do que estivesse para vir e que, muitas delas, foram enganadas (outras nem tanto!) ou iludidas. Nem tudo o que luz é ouro…
Portugal, depois do referendo do dia 11 de Fevereiro, já praticou abortos ao abrigo da nova lei. Já dezenas de bebés morreram. Morreram, ponto final! Ninguém os trará de volta.
Infelizmente esta lei será irreversível.
Está tudo por fazer.
As gerações do futuro terão muito por que se arrepender, assim como as de hoje já têm, pelo que não fizeram… É a loucura dos homens e das mulheres…
P.S.
Boas férias. Eu já tenho as malas feitas.
6 comentários:
Correcção: esta lei não é irreversível, como não é qualquer outra. Felizmente. Cá estamos para que esta não seja mesmo!
Estou arrepiado, é pública a minha posição, nomeadamente na questão da paternidade...
Mas já agora, excelentes férias para ti! Boa altura para novas reflexões...
Liliana,
Ainda não li o artigo com a devida atenção mas seguramente que estarei de acordo contigo.
Deixo-te um beijinho de boas férias e quando vltares cá estará um comentário a este teu post :)
Liliana,
Muitos parabéns por este post e pelo incrível trabalho realizado quer no "A minha vida é um dom", quer, agora no blog do "Plataforma Algarve pela Vida".
Apesar de tudo, é bom sentirmos que estamos a fazer aquilo que a nossa consciência nos diz...
Boas férias,
MRC
Pedro,
Vejo que és muito optimista. Eu não confio absolutamente nada nesta lei, nem acredito que ela seja reversível.
Também falei sobre a questão da paternidade, daí o "Cogito II". Como será ela? Que oportunidades terão os homens para serem pais? Não se percebe uma medida que liberalize o aborto e ainda retire aos homens a oportunidade de serem pais e assumirem a sua paternidade, como acho que é do seu direito.
«Boa altura para novas reflexões...» Reflexões? Se as férias fossem de descanso...
MRC,
Não faço as coisas só porque a consciência me o diz, faço-as quando acho que merecem a nossa luta... Afinal, há tanto para fazer em tantas áreas e nem por isso nos pomos a mexer... (Será tudo uma questão de consciência???)
MRC,
O meu último comentário deveu-se ao facto de no referendo se ter invocado a questão do aborto como uma simples questão de consciência pessoal...
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