quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Os Vendilhões do Templo

Para além da beleza arquitectónica, imponência e magnitude externa com que grande parte dos templos premeiam o nosso olhar, há sempre uma outra parte, a interior, que nos faz suspender a respiração: pela arte, pela frescura e pelo silêncio.

Gosto de visitar templos: igrejas, catedrais, basílicas, conforme os casos; a designação não é importante, o monumento em si é o que mais interessa, independentemente da sua classificação. Embora não seja um visitante “cheio de fé”, admiro e respeito o ambiente no interior destes monumentos, que afinal constituem a maior parte do parque mundial. Entre templos e castelos, teremos mais de noventa por cento dos monumentos mundiais – informação sem rigor científico, ressalve-se! –, e procuro não perder a oportunidade de estar presente (dentro e fora), sempre que cada uma dessas obras se ergue a desafiar a minha pequenez.

Não me oponho ao pagamento de entrada sempre que o mesmo é exigido; desde que as regras estejam definidas a montante, só entra quem quer. Ou quem pode. Ou quem quer e pode. Também não me incomoda o facto de, em alguns desses lugares, não ser permitida a entrada de ombros nus, calções ou mini-saia. Como disse, desde que as regras estejam definidas e visíveis, ninguém tem razão de queixa. O que me incomoda são as “remunerações paralelas”. Entrada livre na basílica – ou catedral, tanto faz – mas para subir à cúpula paga xis. Para visitar a Cripta paga ípsilon. Para visitar o museu de arte sacra – no interior da igreja, pois claro – paga zê. Para além destes bilhetes acessórios, há ainda que enfrentar os balcões de recordações, lembranças, acendimento de velas, esmolas para o ceguinho, para o Senhor morto, para a santa não sei quê e o padroeiro não sei quantos. Contas feitas, entrámos de borla na catedral mas saímos de lá com uma boa maquia a menos. Por pessoa, entenda-se, estas coisas contabilizam-se ao visitante, mesmo tendo em conta o livre arbítrio e os descontos simpáticos para os menores de dezoito, doze ou vinte e cinco anos, conforme os países e os casos. Vai tudo dar mais ou menos ao mesmo, todos estudaram a lição na mesma enciclopédia.

Conta a história da própria igreja, que Cristo, um dia ao entrar no templo, correu a chicote todos os vendedores que usufruíam comercialmente do espaço, chamando-lhes vendilhões e acusando-os de terem feito da sua casa um covil de ladrões. Ao tomar esta atitude; Cristo, não só não aceitou as vendas em si, como também não aceitou os preços praticados. Vendilhões e ladrões, são termos inseridos no mesmo contexto mas com significado diferente. A propósito desta passagem do Novo Testamento, relembro O Nazareno, espectáculo magnífico de Frei Hermano da Câmara no Coliseu de Lisboa há muitos anos atrás, onde os vendilhões do templo foram mesmo corridos à chibatada. “A minha casa é uma casa de oração mas vós fizestes dela um covil de ladrões”, cantou Frei Hermano, aquilo que Cristo terá dito cerca de dois mil anos antes.

Claro que nada disto retira a importância do monumento enquanto templo e enquanto documento histórico; a sua beleza geral mantém-se e os vitrais continuam belos; tal como a talha dourada, a arte barroca, a arte gótica, as naves, os altares e os frescos. Contudo, fazendo o paralelismo com os ensinamentos do fundador da Igreja, confrontamos claramente, simplicidade com opulência e generosidade com exploração. Cristo não precisou de paramentos, nem de taças em ouro, nem de relicários incrustados com diamantes, para transmitir a sua mensagem. A mensagem que dois mil anos depois continua a mover multidões: A fé.

Recentemente, numa visita à Catedral de Notre-Dame, entrada livre, desafiei um amigo meu a visitar a “Sala do Tesouro”, entradas a três euros, por cabeça com mais de dezoito anos. “Nem pensar”, disse ele, “Pagar três euros para ver panos e cajados”! Eu acabei por ir – pagando, é claro – e vi mais que panos e cajados. Vi jóias em ouro e diamantes.

A Catedral foi erguida em homenagem à Mãe de Cristo, Aquele que ensinou a simplicidade, a generosidade, e expulsou os vendilhões do templo…

(28-08-2007)
António J. Branco
Texto daqui.

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