Há anos, na Suíça, fui a Ecône, visitar o Seminário da Fraternidade S. Pio X, fundado pelo bispo M. Lefebvre, dissidente do Vaticano. Recebeu-me um padre simpático. Após conversa longa, apercebi-me de que o problema da Fraternidade não está propriamente na missa em latim. A questão essencial é o Concílio em temas fundamentais: a liberdade religiosa, o ecumenismo, o diálogo inter-religioso.
Depois do "Motu Proprio" "Summorum Pontificum", de Bento XVI, de 7 de Julho, ficou autorizada a Missa em latim segundo o Missal Romano promulgado por S. Pio V em 1570. A Fraternidade recebeu a medida com entusiasmo: trata-se de "um avanço capital na restauração da Tradição", comentou o secretário-geral.
Penso que comunidades cristãs vivas têm de assentar em três pilares fundamentais. Um é o apostolado da inteligência, que tem a ver com o diálogo da razão e da fé - a compreensão da fé, que não pode ignorar os avanços da ciência. Outro é o anúncio do Reino de Deus e a luta pela justiça. Depois, há as celebrações litúrgicas belas. É essencial acentuar a dimensão da beleza na liturgia e homilias que façam ponte entre a mensagem do Evangelho e a experiência actual de mundo. Mas não se vê onde esteja aí a necessidade ou importância do latim, sobretudo se a celebração se fizer de costas para o povo.
Os tradicionalistas têm outra razão maior de contentamento: o documento com "Respostas a algumas perguntas acerca de certos aspectos da doutrina sobre a Igreja". Tem a data de 29 de Junho, é assinado pelo cardeal W. Levada, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, e foi aprovado pelo Papa.
Nele, seguindo o método catequético de perguntas e respostas, pretende-se a interpretação correcta da doutrina sobre a Igreja, afirmando que a Igreja Católica é a única verdadeira Igreja de Cristo: "Cristo constituiu na terra uma só Igreja e instituiu-a desde a sua origem como comunidade visível e espiritual. Ela continuará a existir no curso da História e só nela permaneceram e permanecerão os elementos instituídos pelo próprio Cristo. Esta é a única Igreja de Cristo, que no Símbolo confessamos una, santa, católica e apostólica. Esta Igreja, constituída e ordenada neste mundo como uma sociedade, subsiste na Igreja católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele." A expressão segundo a qual a Igreja "subsiste" na Igreja católica "indica a plena identidade entre a Igreja de Cristo e a Igreja católica."
As Igrejas orientais ficam de fora, porque, ao não reconhecerem a autoridade do Bispo de Roma e Sucessor de Pedro, estão separadas da plena comunhão com a Igreja católica. Às Comunidades cristãs nascidas da Reforma do século XVI não é reconhecido sequer o título de "Igreja", porque "não têm a sucessão apostólica mediante o sacramento da Ordem".
Trata-se de um golpe duro no ecumenismo, porque é voltar atrás em relação ao Concílio Vaticano II, que o cardeal Suenens, um dos que mais contribuíram para as reformas conciliares, caracterizou como uma "revolução copernicana". Agora, em vez de um diálogo ecuménico centrado no essencial da mensagem de Jesus, que obriga à conversão de todas as Igrejas, pretender-se-ia reduzi-lo a um regresso de todos à Igreja católica. De facto, neste documento, só das Igrejas e comunidades separadas se diz que "têm as suas deficiências".
Vão ficando longe os tempos do diálogo aberto e plural: no interior da própria Igreja católica; com as Igrejas cristãs, no quadro de um são pluralismo; com a cultura moderna, depois de séculos de combate; com as religiões não cristãs; com o ateísmo, pelo qual a própria Igreja se confessava também culpada.
A Igreja católica parece voltar ao medo, precisamente quando, na presente situação grave do mundo - lembre-se a globalização neoliberal, as revoluções da genética e das neurociências, o aquecimento global, as guerras e os fundamentalismos, a falta de sentido -, seria de ousar a preparação de um Concílio verdadeiramente ecuménico, portanto, com a representação de todas as Igrejas cristãs.
Crónica do Padre e Professor de Filosofia Anselmo Borges.
2 comentários:
Deus deve achar engraçadas algumas das posições alegadamente "cristãs" que são tomadas...
Parece-me que Ele não se vai importar assim tanto com o rótulo católico ou não...
É que Ele prescruta directamente cada ser humano e sabe exactamente como é o seu íntimo...
Assim, Ele sabe que quem tem o Filho - Jesus Cristo - tem a vida eterna... independentemente do rótulo da igreja a que pertence...
É preciso até que as diversas confissões tenham cuidado... a falta de humildade, que leva algum grupo a considerar "nós é que somos a verdadeira igreja" certamente não agradam a Deus...
Eu vejo antes a Igreja como o conjunto daqueles que realmente seguem a Cristo, independentemente do rótulo da sua congregação...
Já agora... eu pertenço a uma comunidade evangélica... e não concordo nada que a Igreja Católica seja a verdadeira!... Nem tampouco aquela a que eu pertenço!... A verdade está em Cristo... Os homens procuram aproximar-se... (ou não...)
Luís Lopes
Luís Lopes,
Muito bem! Gostei do comentário. Não podia estar mais de acordo. ;)
Um abraço muito fraterno...
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