16.03.2008, Pedro Vaz Patto (Magistrado judicial)
A primeira mulher cristã a expor a sua experiência espiritual a vastos auditórios budistas, muçulmanos e hindus
Em Itália, a notícia encontrou espaço na primeira página do Corrire della Sera e em programação especial da RAI. Terminou a sua vida terrena, aos 88 anos, Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares, um movimento católico que, de forma inovadora, acolhe cristãos de outras denominações, fiéis de outras religiões e pessoas de convicções não religiosas. Presente em 182 nações, conta cerca de 140 mil membros activos e 2 milhões de aderentes.
Toda esta difusão se deve à fidelidade de uma jovem de Trento que, em 1943, num contexto de guerra que evidenciava a caducidade de todos os ideais humanos, descobriu em Deus o ideal da sua vida. Essa descoberta levou-a a reler a uma nova luz o Evangelho. De um modo particular, sentiu-se chamada a actuar o testamento de Jesus, as palavras que Ele pronunciou pouco antes de morrer: "Pai, que todos sejam um, como Tu e Eu somos um."O que trouxe de novo, à Igreja e à humanidade, a vida de Chiara Lubich? João Paulo II afirmou que via no movimento que fundou uma imagem da Igreja, tal como a delineou o Concílio Vaticano II. Antecipou e, posteriormente, concretizou várias das intuições desse concílio. Desde logo, a revalorização do papel dos leigos e da mulher. Propôs a santidade como uma meta para todos ("a santidade para as massas"), resultado não tanto de um caminho individual, mas de uma experiência comunitária de amor e ajuda recíprocos (uma "santidade colectiva").
A sua proposta de unidade entre as pessoas e as comunidades encontra o seu modelo em Deus uno e trino. A vida da Trindade deixa de ser algo de longínquo e inacessível (o teólogo Karl Rahner chegara até a afirmar que, se fossem abolidos os dogmas trinitários, talvez a vida do comum dos cristãos não se modificasse) e passa a ser um modelo para todos os âmbitos da vida social, onde se harmonizam unidade e distinção, identidade e comunhão.
O "que todos sejam um" foi, pois, o horizonte de Chiara Lubich e do movimento por ela fundado que, também na linha do Vaticano II, se abriu a quatro diálogos: entre católicos, entre cristãos de várias denominações, com fiéis de outras religiões e com pessoas de convicções não religiosas. Lubich foi a primeira mulher cristã a expor a sua experiência espiritual (sem dela nada ocultar) a vastos auditórios budistas, muçulmanos e hindus. Fê-lo em 1981, num templo de Tóquio, a 10.000 pessoas; em 1997, na Tailândia, perante monges e monjas budistas, e, também em 1997, na histórica mesquita "Malcom X" de Harlem, em Nova Iorque.
A espiritualidade da unidade veio reanimar a vida de muitas famílias chamadas a abrir-se à sociedade, para a impregnar dos seus valores característicos, para que ela se torne uma grande família. "Como a família, assim a sociedade", propôs numa ocasião Chiara Lubich. No Evangelho, ela e os seus seguidores encontraram a fonte da "mais potente revolução social", capaz de renovar pessoas e estruturas. São inúmeras as obras sociais a que deram origem. Esta espiritualidade trouxe também uma nova luz aos ramos do saber, não só à teologia, mas também à filosofia, à psicologia, à sociologia, à economia, à reflexão política, etc. Chiara Lubich, que abandonara a perspectiva de seguir estudos para se consagrar a Deus, recebeu, de universidades espalhadas por todo o mundo, doutoramentos honoris causa em quase todas essas disciplinas.
Ao mundo da política propôs a fraternidade como autêntica categoria política, para dar expressão concreta a este terceiro princípio (o que tem sido mais esquecido) do tríptico da Revolução Francesa. Políticos de vários quadrantes têm acolhido esta proposta. Ao mundo da economia propôs um modelo de economia de comunhão na liberdade, desafiando as ideias correntes de que só o móbil do egoísmo torna eficaz a economia, ou só a intervenção estatal permite introduzir na vida económica a consideração do bem comum.
A vida de Chiara Lubich transformou muitas outras vidas. Nela colheram inspiração e ensinamentos pessoas que têm em curso processos de beatificação, como o intelectual e político italiano Igino Giordani (um co-fundador do movimento) e o cardeal vietnamita Van Thuan, referido como testemunho de vida cristã na última encíclica de Bento XVI. Mas muitas pessoas comuns de todo o mundo lhe devem aquilo que dá sentido às suas vidas, aquilo que de mais precioso têm. É o que sucede também comigo, desde a minha adolescência. Daí a minha gratidão, que não posse deixar de tornar pública.
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