Atordoados em frente a um ecrã de televisão
26.04.2008, José Manuel Fernandes
Falou-se da culpa dos políticos e da culpa da escola no afastamento dos jovens da vida política e da vida cívica. Mas também é importante falar do papel da comunicação social
Os jovens sabem pouco sobre o 25 de Abril. Sabem pouco sobre a actualidade política. Como sabem pouco sobre história portuguesa, contemporânea ou antiga. Como infelizmente sabem pouco sobre muitos outros temas. Mas não só os jovens. Se o nível de ignorância sobre as respostas correctas às três perguntas colocadas no inquérito encomendado pela Presidência da República foi maior nas faixas etárias mais baixas, não deixou de ser anormalmente elevada considerando o conjunto da população. Um terço dos inquiridos não souberam responder à questão mais simples, isto é, não sabiam que o PS governa com o apoio de uma maioria absoluta de deputados. Apesar de a percentagem de ignorância descer entre os que têm mais de 30 anos, mesmo assim situou-se sempre acima dos 30 por cento.
Ora isto não se ensina nas escolas. Aprende-se, ou sabe-se com naturalidade, ao se estar interessado na vida cívica, e também na vida política. Portugal apresenta dos menores índices de interesse pela política de toda a Europa, e aí o conjunto da população não fica mais bem representado do que os jovens, pelo contrário. Outros estudos recentes, de 2002 e 2004, citados no estudo, indicam que o interesse pela política só é menor em Espanha e em algumas das jovens democracias do Leste europeu. Pior ainda: quando consideramos a importância que a política tem na vida dos cidadãos, a par com outros interesses como a família, os amigos, os tempos livres, a religião, o trabalho ou o voluntariado, a política surge em último lugar e Portugal fica também em último lugar entre os 29 países ou regiões considerados no Eurobarómetro. De resto, Portugal só fica claramente na parte de cima da tabela quando se considera a importância dada ao trabalho (sétimo lugar) e à religião (oitavo lugar). Num outro indicador de participação cívica, o voluntariado, a posição do nosso país volta a não ser feliz: atrás de nós só estão seis países ou regiões. Não surpreende assim que os níveis de participação política, desde os mais convencionais aos menos convencionais, seja baixo em termos absolutos e menor do que na maioria dos países para os quais existem dados comparáveis, acontecendo, porém, que aqui não se notam grandes diferenças entre os portugueses mais novos e os mais velhos. Se é certo que estes votam com mais regularidade, os mais novos assinam mais petições ou boicotam mais vezes produtos por motivações políticas ou ambientais.
O nível de participação em associações (pouca militância política e um dos mais baixos índices de participação sindical) é muito baixo, com excepção das associações de carácter religioso.
Todos estes elementos traduzem um quadro de apatia cívica acima do desejável, ou mesmo do tolerável, assim como um desinteresse muito grande pela política e uma baixíssima vontade de intervir na vida partidária. E se parte deste desinteresse pode explicar-se por níveis baixos de satisfação com o funcionamento do nosso regime democrático, níveis que estão muito relacionados com o desempenho da economia (o pico da satisfação foi registado na viragem dos anos 80 para os anos 90, após a entrada na Comunidade Europeia e quando Cavaco Silva era primeiro-ministro e Mário Soares Presidente da República), a verdade é que todos estes diferentes factores são insuficientes para explicar o grau de desinformação detectado no estudo.
O Presidente atribui aos políticos - e ele também é um político - grandes responsabilidades pelo facto de a política não ser capaz de mobilizar o interesse dos jovens. Apontou mesmo o dedo a "um certo autismo de alguma classe política", aconselhando-a "a conhecer melhor a realidade do país", e todos sabem como é grande a distância entre eleitores e eleitos. Mas se Cavaco Silva falava na casa da democracia e se se dirigia em primeiro lugar aos representantes do povo, os deputados, é importante levar a sua reflexão mais longe noutro domínio: o que é que os que, não sendo políticos, mas sendo cidadãos interessados, e aqueles que têm por missão mediar a informação, os jornalistas, têm feito? Na verdade, se não podemos acusar apenas a escola, como alguns fizeram nas primeiras reacções ao discurso presidencial, é bom tentar encontrar no estudo outros elementos que permitam detectar outros "culpados", chamemos-lhes assim. Ora, ao lermos o capítulo sobre a forma como os cidadãos acedem à informação política, verificamos que o fazem sobretudo através da televisão. Mais: o domínio da televisão sobre todos os outros meios de informação coloca pela primeira e única vez Portugal num primeiro lugar: lideramos a tabela da dependência dos cidadãos da televisão para se informarem sobre política. Sem surpresa, o estudo confirma o pouco peso dos jornais (menor ainda entre os mais novos) e da Internet (aqui com mais jovens atentos). Os autores do estudo encontram uma correlação positiva entre o grau de ignorância sobre temas políticos e o consumo dos diferentes meios de informação. Mas como o tema é apenas aflorado, e os elementos disponíveis são escassos, pouco mais poderemos concluir que o consumo excessivo de televisão não favorece a participação cívica e política, nem acrescenta o necessário à cultura política dos cidadãos. É triste, mas é assim, e aqui a culpa não é só dos políticos ou do "sistema".
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