domingo, 17 de agosto de 2008

APONTAMENTOS SOBRE RELIGIÃO E O ESTADO DA NAÇÃO

Para quem não anda com os olhos no bolso nem meteu a massa encefálica no frigorífico nem precisa de se justificar, é claro que o estado da Nação não é propriamente de euforia. O aumento do desemprego é alarmante. A justiça não funciona ou funciona em tempo infinitamente lento. O crescimento económico emperrou. As desigualdades sociais são gritantes. A situação da educação é dramática. Pior que tudo: um pessimismo que começa a instalar-se, numa sociedade em que a falta de preparação e qualificação dos portugueses barra o futuro. Há uma conflitualidade social latente, já com sinais manifestos aqui e ali, que deve abalar aquela modorra intelectual adormecida na "certeza" do fim da História e das revoluções. No meio disto, a religião? A filósofa Hannah Arendt disse, desarmantemente, que também a economia é um problema teológico. Numa obra célebre, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Max Weber mostrou como a tradição calvinista e as seitas puritanas, com a convicção de que o cumprimento dos seus deveres no mundo é modo essencial de agradar a Deus, a procura do êxito nas empresas como sinal de predestinação à salvação, a concentração na profissão conduzida de modo racional e eficaz, o ascetismo laico, que rejeita o hedonismo e o luxo, mas bendiz o lucro, considerando-o até preceito divino, foram fundamentais para a formação do moderno homem económico e do espírito do capitalismo. No seu cinquentenário (13 de Julho de 2008), nem todos se esqueceram da famosa Carta de D. António Ferreira Gomes a Salazar, que o bispo do Porto pagou com um exílio de dez anos. Nela, exigia-se a liberdade de pluralismo partidário e sindical e de greve. E lembrava-se "dois problemas fundamentais" em ordem à paz: 1. "Os frutos do trabalho comum devem ser divididos com equidade e justiça social entre os membros da comunidade"; 2. Os indivíduos e as classes "nunca estarão satisfeitos enquanto não experimentarem que são colaboradores efectivos, que têm a sua justa quota-parte na condução da vida colectiva, isto é, que são sujeito e não objecto da vida económica, social e política". O equilíbrio financeiro "é óptimo", mas "nunca deve deixar de estar ao serviço do Homem". Com a religião - a verdadeira, não a que se embrulha em privilégios ou na mera piedade de consolação intimista -, haveria outra consciência social, que faz perceber, por exemplo, que o que é bom para Portugal é bom para mim, que não há apenas direitos, mas também deveres, que é um dever pagar impostos e não viver da corrupção activa e passiva, que apela para a moderação no consumo. Depois, há um texto de A. de Tocqueville, no seu Da Democracia na América, que merece atenção. "Nos séculos de fé, coloca-se a finalidade final da vida após a vida. Isto explica a razão por que os povos religiosos realizaram frequentemente coisas tão duráveis. Acontecia que, ocupando-se do outro mundo, tinham encontrado o grande segredo de triunfar neste. Nos séculos de incredulidade, é, pois, sempre de temer que os homens se entreguem sem cessar ao acaso diário dos seus desejos e que, renunciando completamente à obtenção do que só com longos esforços se pode adquirir, nada realizem de grande, aprazível e durável. Se acontece que, num povo com estas disposições, o estado social se democratiza, o perigo apontado aumenta." Cá está! A consciência do tempo é decisiva para a existência pessoal e, assim, para a economia e para a vida colectiva. Quando se apaga a fé na eternidade, o tempo deixa de fazer tecido, pois só ficam instantes que, na voragem, se dissolvem e devoram. Então, é preciso sorver cada instante na realização dos desejos imediatos, numa sucessão delirante. Então, poupar para quê? Investir para quê? Ainda haverá futuro, aquele futuro que é surpresa mas também projecto de realização, com esforço, de algo grande e durável? Os portugueses têm uma "virtude" que outros não têm: o "desenrascanço": numa situação de dificuldade e aperto, conseguem uma solução para a imediatidade. Mas essa virtude é o seu defeito fundamental, porque não planeiam de modo racional o futuro.
Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

3 comentários:

João Santos disse...

Uau! este texto leva-nos a pensar sobre os fundamentos da nossa vida, isto é, para que vivemos? para o amor? para o dinheiro? ( a modalidade mais seguida pelos cidadões portugueses); para os valores profissionais e a realização profissional? e o texto fala da eternidade? isso materializa-se em quê? é uma dimensão que eu não entendo e daí tudo o resto.

LuisaB disse...

Olá, passei para deixar um beijinho e dizer que atribuí um prémio a este blog pela sua informação e conteúdo.
deve vir no meu blog ver os passos seguintes do que deve fazer se entender que deve dar premios a outros blogs.
beijinhos

Beijinhos

Liliana F. Verde disse...

Muito obrigada Luísa B.