sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Trabalho e emprego

Nada mais politicamente incorrecto do que a convicção de que falar de desemprego nem sempre é falar de falta de trabalho. A título de exemplo cito o caso de uma empresa de grande dimensão que recrutou, no ano de 2009, nove mil e oitocentos trabalhadores dos quais oito mil e duzentos se foram embora durante o mesmo ano, após faltas sucessivas, abandono do lugar e, até, comportamentos ilícitos. Imagino que muitos deles se tornaram automaticamente beneficiários de algum subsídio pago pelos nossos impostos.
O que nos devia preocupar é este país dual, dividido entre os que têm trabalho e os que, querendo trabalhar, o não encontram; entre os que mantêm os seus rendimentos de trabalho, o que, nas actuais circunstâncias, significa um aumento do respectivo poder de compra, e os que se viram bruscamente privados de qualquer rendimento e não podem fazer face às necessidades básicas do seu agregado familiar; entre os que prosseguem habitualmente a sua vida e os que se sentem humilhados e perdidos. Questão diferente é a de considerar todos os que não têm emprego como uma categoria homogénea, tal como é um erro pensar que mais pacotes de medidas governamentais ou injectar mais umas quantas dezenas de milhões de euros nos permite ficar com a consciência tranquila. As políticas públicas concebidas e aplicadas desta forma implicam riscos de fracasso quer ao nível dos conceitos quer ao nível das práticas. O primeiro é o de sedimentar uma cultura de dependência e inércia; o segundo é prescindir de uma avaliação política e técnica das medidas governamentais; o terceiro é não questionar a eficiência da máquina administrativa que as vai implementar; o quarto é não proceder a uma caracterização destes desempregados antes de produzir mais e mais medidas. Todos se recordam da baixíssima taxa de execução do pacote anticrise de 2009. Se bem que a esquerda queira ver nisso uma espécie de "poupança" mal intencionada do que se trata é de incompetência: o anterior Governo revelou-se incapaz. A actual ministra, questionada sobre o assunto deixou escapar que algumas das medidas estavam mal formatadas. Parece que as deste ano, já da sua lavra, não padecem dos mesmos erros. Será assim? Quem nos garante que em 2011 não ouviremos uma explicação semelhante? E quem presta contas dessa má formatação? Onde está a avaliação que se impõe ao plano de 2009?
Quem está no terreno testemunha com frequência a incapacidade da máquina quando obrigada a sair das suas rotinas habituais. Os centros de emprego, cuja dinâmica é decisiva, parecem incapazes do mais elementar: conjugar com celeridade a procura e a oferta, o que decerto desencoraja o recurso a estes serviços por parte dos empregadores. Mas, ainda mais grave é o facto, igualmente comprovado, de os chamados períodos de carência terem aumentado, não em função de qualquer imposição legal mas por um inexplicável engarrafamento na triagem e encaminhamento das situações no âmbito da Segurança Social.
Finalmente, uma análise mesmo empírica permite perceber que o perfil de muitos destes desempregados aconselharia, por exemplo, medidas específicas para a promoção do auto-emprego. Muitos são pessoas que sempre trabalharam, com iniciativa própria, avessas a pendurarem-se no sistema e que se beneficiassem de medidas concretas resolveriam eles próprios a sua vida como se viu, no âmbito da campanha "Portugal Solidário" no distrito de Setúbal.
O esforço de coesão social só se justifica se os desempregados sentirem que têm de ser parte da solução e não apenas do problema, activos na busca de soluções e não agentes passivos, destinatários de medidas abstractas. E a equidade, nesta matéria, passa também por separar o trigo do joio.
Maria José Nogueira Pinto, DN 2010-012-08

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