domingo, 14 de março de 2010

A Barreira precisa de um Projecto Educativo

A Barreira precisa de um projecto educativo: não é uma moda, é uma necessidade. Com a lenta reorganização do território da freguesia, assiste-se à necessidade de pensar sobre um novo edifício para servir esta zona (Barreira, Cortes e Telheiro). Mas, para que a carroça não vá à frente dos burros, precisamos de pensar sobre um projecto educativo.
O verbo pensar não admite a interdição à liberdade, por isso, e porque as práticas são muitas vezes reféns das políticas educativas, tomemos a liberdade de pensar sobre que escola queremos e que projecto educativo ambicionamos como seu orientador.
Primeiro ponto: há que aprender com os erros do passado, perceber a nossa realidade presente e projectar o futuro. Isto não se faz sem antes haver vontade de criar laços de cooperação entre freguesias e de eliminar rivalidades. É indispensável a intervenção comunitária geral na elaboração de um projecto que pretende ser “O Nosso”. Pensar um projecto educativo para as freguesias, e para uma futura escola, só faz sentido com diálogo, com um debate local de ampla discussão de onde resulte o máximo de consenso e de compromisso geral. A educação e a cultura são uma missão partilhada, de confiança, perspectivando sempre o bem comum. Assim, temos de ser ouvidos e tomar e partilhar decisões, mesmo ao nível mais baixo. Pais, associações de pais, professores e associações de professores, associações ligadas à educação, ao desporto e à cultura, especialistas em Educação e os próprios alunos – todos deverão ser chamados e escutados, pois que a Educação é uma responsabilidade colectiva.
Um projecto educativo levado a sério tem de se preparar para um novo modelo, enquadrado nas mudanças mais actuais relativas ao pré-escolar e à escolaridade obrigatória (12.º ano). Conhecendo a realidade local e nacional da educação portuguesa, ao nível educativo, assim como o rumo da União Europeia nestes termos, há que sondar exemplos de excelência nacionais e internacionais que ajudem a sair do convencional. Os exemplos são variados: escolas públicas e privadas com bons resultados, Escola da Ponte e “filiais” no Brasil (Instituto Lumiar, Amorim Lima), Escola Básica e Secundária Tomás de Borba em Angra do Heroísmo, modelos finlandês e irlandês, e programa “No Child Left Behind” dos Estados Unidos da América.
Contrariamente ao modelo dominante, mas de acordo com as tendências e os exemplos de excelência, faz todo o sentido descentralizar o poder, desburocratizar, flexibilizar, o que se tem conseguido muito mais facilmente com uma gestão centrada na escola, autónoma. E aqui muda muita coisa ou quase tudo.
Uma escola autónoma na sua gestão é uma escola local, em cooperação com o município. Que escola deverá ser esta? Permitam-me abrir o debate.
Uma escola autónoma é efectivamente uma escola, cujo cerne é a aprendizagem dos alunos. Quer isto dizer que quando as motivações são todas excepto os alunos, algo começa a desvirtuar-se e deixa de ser escola para ser empresa, por exemplo. Tudo (não é só metade!) tem de ser feito para proporcionar as melhores oportunidades e respostas a todos os alunos, pessoas em crescimento, com uma história de vida real. Os mais experientes saberão que nestas coisas o “pronto-a-vestir” resulta sempre mal. Que bom seria, então, uma pré-inscrição escolar (1/2 anos antes da matrícula), para que a escola pudesse optimizar espaços e recursos escolares necessários aos seus futuros alunos e proceder a uma reformulação dos objectivos da instituição e até repensar a formação dos professores. É lamentável que as escolas não tenham tempo para se reformular em função dos alunos que vai receber. A proveniência social, a idade, as necessidades educativas, o nível económico e cultural dos alunos têm de constar da base de qualquer projecto educativo. Como é possível privilegiar uma educação multicultural se a organização escolar e os profissionais de ensino não estiverem preparados, nem tiverem tempo para se formar? Isto é essencial para que o ensino seja de qualidade.
Gostaria que a Barreira pensasse numa escola onde o ensino fosse entendido como uma missão e um serviço, realmente público, universal e gratuito. Uma escola que, em vez de ostracizar, acolhesse, e encarasse as crianças como seres únicos, com as suas próprias características e especificidades. E evito propositadamente chavões como “escola inclusiva” ou “escola para todos”. Eu gostaria que a escola fosse simplesmente escola, onde se ensinasse e aprendesse, e se ajudasse realmente a gostar de aprender. Gostaria de uma escola que cultivasse o gosto pela aprendizagem, pela cooperação, pelo trabalho, pelo esforço, pela disciplina e pela responsabilidade. Este é provavelmente um dos aspectos mais difíceis que só se consegue quando todos os responsáveis superiores, desde os pais, os professores, a direcção e a comunidade, em conjunto, arranjam soluções para todos os problemas com que se debaterem. Por isso, é urgente acabar com o egoísmo e o interesse individual.
Eu gostaria que a Barreira tivesse uma escola pequena onde todos se conhecessem, capaz de dar respostas educativas à diversidade. Neste contexto, não nos esqueçamos de que a Barreira conta com uma população, cuja escolarização é baixa ou muito baixa, com um meio rural e semi-citadino, com estrangeiros e ainda com uma comunidade cigana.
Eu gostaria que a escola da Barreira fosse uma escola onde os pais tivessem um papel importante nos órgãos de gestão e decisão, não esquecendo que o papel didáctico-pedagógico cabe aos professores.
Eu gostaria que a Barreira tivesse uma escola onde a Comunidade se projectasse com iniciativas a curto, médio e longo prazo, em parcerias com as Juntas de Freguesia, com a Câmara Municipal de Leiria, com a ADESBA, com a Casa-Museu João Soares, com a Filarmónica das Cortes, com o Grupo de Atletismo da Barreira, com o Escutismo, com as Igrejas, entre outros.
E por que as escolas dependem das pessoas e elas fazem as escolas, eu gostaria que a Barreira tivesse uma escola onde pudesse contar com um corpo docente estável, motivado e altamente criativo e empreendedor, profissionais que correspondessem a um perfil de pessoas para o projecto pensado; professores disponíveis, recebidos e apresentados à comunidade, num sistema de bem, justo e transparente, devidamente fiável e fiscalizado, onde se premiasse o mérito, o “curriculum vitae”, a experiência e o espírito de cooperação/iniciativa. Eu gostaria que a Barreira pudesse contar com uma escola onde as pessoas se amassem e respeitassem; uma escola pública pioneira numa autonomia que seleccionasse os seus profissionais de acordo com o seu projecto educativo e mérito, ao invés de gente minada de cunhas e compadrios. Eu gostaria de uma escola que apostasse mais em professores e menos em auxiliares de educação.
Gostaria que a futura escola da Barreira tivesse um professor-director que desse aulas, para não se esquecer de que trabalha numa escola e para que não se apaixonasse pelo poder, devidamente assessorado por conselheiros administrativos e financeiros.
Gostaria que tivéssemos uma escola onde se tivesse autoridade e autonomia para se organizar em momentos e espaços de aprendizagem de acordo com as necessidades das crianças, com mecanismos de prevenção, intervenção, remediação e enriquecimento, não imanados dos “iluminados” do Ministério da Educação, mas criados a partir da necessidade do terreno e em parceria com centros do ensino superior e investigação. Eu gostaria de uma escola que não fosse obrigada a, mas que tomasse a iniciativa de ser autónoma, que assumisse um projecto educativo original e genuíno que tivesse em vista uma Educação de qualidade (há tanta barbaridade quando as metas se resumem a números…) com projectos próprios, de integração, com equipas de orientação e intervenção, com professores especializados.
Gostaria de uma escola sem medo de avançar com linhas ideológicas e pedagógicas bem definidas e com docência cooperada (e porque não 2 ou 3 professores por sala?).
Gostaria de uma escola que investisse fortemente ao nível científico e pedagógico, pois que se acha por aí que isso é o que menos importa. Quanto nos enganamos quando assim é!
Gostaria que a Barreira tivesse uma escola que tivesse coragem de não ter “a turma dos filhos dos professores”, a elite, e “as turmas dos outros”, a ralé. Que ousasse pedir ajuda sempre que sentisse dificuldades, que integrasse projectos desde o pré-escolar (a partir do 3 anos), trabalhando por ciclos, dando tempo para crescer e aprender ao ritmo de cada um, sem asfixiar ou menosprezar.
Eu gostaria que a Barreira tivesse uma escola com uma arquitectura pensada e equilibrada com inteligência, com salas por disciplinas (Língua e Literatura Portuguesa, Línguas Estrangeiras, Matemática, Ciências Naturais, Ciências Humanas e Sociais, Artes, Oficinas, Desenho, Música e Cozinhas), salas de apoios especializados, gabinetes para os professores (onde pudessem receber os pais!), despensa de material, cantina, consultório médico, pavilhão gimnodesportivo e piscina, auditório, pavilhão geral, gabinete de associação de pais, direcção, secretaria e gabinetes de Psicologia.
Como seria bom uma escola com currículo nacional e local, capaz de oferecer às crianças aquilo que elas poderiam nunca ter a oportunidade de sonhar se não fosse a escola a dar-lhes como a dança, a música e tantas outras coisas bonitas para se aprenderem.
Necessitamos, para que a Escola seja a Nossa Escola, de um sistema mais livre, exigente a todos os níveis, que se (re)avalie e que procure a mudança, em função dos seus alunos e das necessidades dos novos tempos, numa acção cooperada entre Escola, Família e Comunidade.
E, por último, gostaria que a Barreira tivesse uma escola, cujo centro fossem as pessoas e se lutasse pelo máximo de qualidade.
Para terminar, que fique também claro que nada do que foi aqui dito é retórica ou utopia. Quanto muito pode ser difícil de atingir, mas nunca impossível. E para aqueles que deixaram de acreditar, só podia finalizar com esta frase de Robert Louis Stevenson «Ser o que somos e chegar a ser o que somos capazes de ser: este devia ser o nosso único objectivo de vida.». Está lançado o desafio. Com quem podem os Barreirenses contar para uma escola nova e para uma nova escola?
Texto publicado no Jornal Barreira.Net.

Sem comentários: