Em "A Fórmula de Deus", de José Rodrigues dos Santos (leiam que é muito bom!), há um episódio que me deixou a pensar sobre o ensino, a didáctica e a pedagogia, na Universidade, e em qualquer ano de aprendizagem.
Aqui fica esse episódio:
Logo que o professor entrou, um silêncio absoluto abateu-se sobre o anfiteatro. Apenas o som dos seus passos tímidos ecoou entre aquelas paredes. O silêncio durou apenas alguns breves segundos e logo o burburinho recomeçou, mas agora sussurrado (...).
"Como sabem... uh... estou aqui em substituição do professor Siza, que... que... enfim, que não pode estar presente", gaguejou. "Como esta é a primeira aula de Astrofísica neste semestre, pensei que, se calhar, era melhor fazer um apanhado geral sobre o essencial de dois pontos cruciais da matéria... uh... o... o Alfa e o Ómega. As equações e os cálculos ficarão para mais tarde. Parece-vos bem?"
Os estudantes responderam com um silêncio expectante. Apenas duas raparigas da fila da frente, preocupadas em não deixar o professor sem resposta, acenaram afirmativamente com a cabeça, encoranjando-o a prosseguir.
"Bem... quem é que me sabe dizer o que são os pontos Alfa e Ómega?"
Luís Rocha era, além de inexperiente a dar aulas, teimoso, constantou Tomás. A turma mostrava-se passiva, talvez por respeito para com a figura ausente de Augusto Siza, talvez porque pressentia a inexperiência de Luís Rocha e queria testá-la até ao limite, mas a verdade é que o professor insistia em interpelar os alunos. Embora fosse a atitude pedagógica mais correcta, tal postura sem dúvida, naquele contexto, um risco desnecessário.
Fosse como fosse, apenas o silêncio respondeu ao docente.
"Então?"
Mais silêncio.
A aula começava mal e tornava-se um tudo-nada confrangedora, mas Luís Rocha não baixou os braços e apontou para um aluno de barbas.
"O que é o ponto Alfa?"
O estudante estremeceu; até aí apreciara tranquilamente o espectáculo e não estava à espera de ser interpelado.
"Bem... uh... acho que... acho que é a primeira letra do alfabeto grego", exclamou, enchendo o peito de satisfação e sorrindo com a sua tirada.
"Como é que você se chama?"
"Nelson Carneiro."
"Nelson, esta não é uma cadeira de Línguas nem de História. Depois dessa resposta, eu diria que você está à beira de ser chumbado."
Nelson corou, mas o professor ignorou o rubor e virou-se para toda a classe.
"Oiçam bem", disse. "Comigo é premiado o aluno que colabora na aula e se mostrar interventivo. Eu quero cabeças pensantes, mentes activas e inquisitivas, não quero esponjas passivas, entenderam?" (...)
(pp.289-291, texto com supressões)
As perguntas que me ficam:
1)Qual deve ser a relação professor/aluno?
2)Quem deve fazer as perguntas: o professor ou o aluno? (A pergunta pode parecer estúpida, mas se o método adoptado for o de o aluno pesquisa primeiro, quem deve começar pelas questões é ele, ou não?)
3)O ensino expositivo tem vantagens/desvantagens? O que é melhor, o ensino expositivo ou o activo? Que tipo de ensino temos hoje nas escolas? O "eduquês"?
4) Que papel devem ter os alunos na decisão da sua aprendizagem?
5) Que papel devem ter os pais/encarregados de educação na decisão de aprendizagem dos seus educandos?
6) O que é um professor? E o que é um professor inexperiente? (Curiosamente, mais à frente, Tomás já não vê o professor Luís Rocha como inexperiente.)
7) O que é uma "atitude pedagógica mais correcta"?
8) O que é um aluno colaborador e interventivo?
9) "Eu quero cabeças pensantes, mentes activas e inquisitivas, não quero esponjas passivas, entenderam?" - Isto sim, tem muito que se lhe diga, e não só exige do aluno, como do professor (só??)? O que fazer para chegar até aí? Que caminho percorrer?
Será que temos respostas para estas questões? Será que nos interrogamos o suficiente sobre a prática didáctico-pedagógica? Quase que já me faz lembrar as ordens e desordens de outro "post" que aqui pus.
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