domingo, 21 de janeiro de 2007

Confesso: adoro ouvir homens a falar assim




É dito a todos aqueles que se incomodam com a questão do aborto se tornar, em caso de vitória do Sim, numa opção exclusiva e solitária da mulher, algo como “A barriga é minha, eu decido, não és tu que vais parir”. Se se insiste um pouco mesmo em argumentação serena, surge um “Os homens nem deveriam votar”, por vezes acompanhado de um “muito menos os que pensam como tu”. Transmite-se uma ideia de egoísmo inerente ao Não, alicerçada no machismo mais puro do homem que ouse incomodar-se com esta questão, oferecendo-se machismo como sinónimo de Não no referendo.
Numa sociedade machista dir-se-á que a mulher deve acordar de noite quando o filho chora, deve levá-lo ao médico quando este está doente, mudar-lhe a fralda, dar-lhe as refeições, ir levar os filhos à escola de manhã, buscá-los ao fim do dia, comprar-lhes a roupa que precisam e tratar das festas de aniversário. Dir-se-á que não são tarefas de um pai. Dir-se-á que são obrigações de mãe zelosa.
Na nossa sociedade diz-se isto e acrescenta-se: a barriga é da mulher portanto a responsabilidade da gravidez é dela. Que tivesse ela tomado a pílula e tido cuidado, que tivesse ela guardado um preservativo na carteira, que decida ela se quer ou não ter o filho (como se se tratasse de um verdadeiro e simples “quero” ou “não quero”), e que trate de o carregar nove meses ou de ir onde tiver que ir para abortar. Diz-se que o pai não tem voto... na matéria.
A fasquia do machismo sobe ainda mais quando remetemos a pergunta de um referendo para algo que engloba “por opção da mulher”. Quando o parceiro é um indivíduo digno e preocupado, de nada lhe serve, porque a lei que o Sim pretende é clara em ignorá-lo. Quando o parceiro é um indivíduo indigno e despreocupado com a companheira, nem tem que chegar a saber que esta realizou um aborto, pode seguir a sua vida para outras paragens.Lutou-se muito em Portugal para terminar com a figura do pai incógnito, mesmo quando se dizia que tal não seria possível, dada a impossibilidade de obrigar um homem a assumir um filho que não deseja. Hoje a realidade é clara, e mesmo que o pai não queira, é obrigado a realizar testes de paternidade e a assumir uma criança quando estes mostram é sua filha. Foi um passo gigantesco pela justiça e humanismo no nosso país. Este Sim no referendo pode significar um passo ainda mais gigantesco para a cultura do machismo e da desresponsabilização do homem perante os seus filhos e a sua companheira. Fica a mulher sozinha na sua dolorosa “opção”, sendo-lhe oferecido o aborto como primeira alternativa. Logicamente, incentiva-se que interrompa a gravidez, sozinha e o menos apoiada possível.
Não se trata então da falsa questão de o homem não pode obrigar a mulher a ter um filho que não deseja, imagine-se o trauma que seria ou do não se vai amarrar a mulher a uma cama 9 meses só porque o homem quer ser pai. Ninguém defende isso, apesar de ser um argumento fácil de apelo ao Sim dizer que o Não está a defender isso.
Trata-se de dividir a responsabilidade de uma gravidez não desejada pelos dois, em vez de a deixar inteiramente nos ombros e na barriga da mulher. Permitir que a mulher realize um aborto sem informar o pai é descartar o papel deste na concepção da criança, privá-lo de um direito básico de informação, isolar mais ainda a mulher na dor da decisão solitária, num país que lhe facilita um aborto como solução aos problemas.
Nenhuma mulher desejaria não saber se o homem pudesse engravidar e realizar um aborto sem lho comunicar. Quando a mulher opta por ter o filho, o pai da criança é obrigado (e muito bem) a assumir a paternidade. Quando opta por abortar o homem não é obrigado a assumir as suas responsabilidades, não é integrado no planeamento familiar e permanece na sua ignorância. Resulta isto numa sociedade em que a mulher resolve o problema dos homens que livremente engravidam mulheres. Um adolescente pode engravidar uma namorada aos 14 anos, outra aos 16 e outra aos 21, lavando as suas mãos, deixando-a desamparada e sozinha no caminho para a clínica de abortos legais.Afinal de que lado está o machismo? Sempre que se ouvir Não ao aborto a pedido da mulher, por opção exclusiva desta, é disto que se está a falar, e é isto, e não outra coisa, que se defende. Está-se a falar precisamente da luta contra o machismo.
Como homem, não tenho apenas receio de não ser ouvido, tenho medo que abortos sejam feitos por não termos que ser ouvidos, por não termos a oportunidade de pensar no assunto, por sermos desresponsabilizados, por se cultivar a nossa ausência no papel de apoiar a mulher, de não a deixar sozinha.
É comum ouvir-se do Sim: Isso é tudo muito bonito, mas muitos homens não querem saber disso para nada nem apoiam as mulheres mesmo que saibam. Nesse caso, além desses que hoje ignoram o problema, não é desejável uma lei segundo a qual todos os outros ficarão alheios ao problema, sendo-lhes apenas atribuida responsabilidade pelos filhos após o momento em que nascem. Mãe desde que engravida, pai nove meses depois.
Todos os que desejam uma solução fácil e descomprometida para mim e para todos os homens devem votar Sim. Todos os que desejam assumir que este é um problema da sociedade, de homens e mulheres, e apostar na educação dos homens também, para prevenir gravidezes indesejadas e, por consequência, abortos, devem votar Não.
Felizmente, os homens querem votar e estão empenhados; queremos que nos exijam responsabilidade pelo que fazemos.
Por Pedro Daniel Almeida, 19-01-2007, aqui.

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