sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Um precedente de consequências nefastas

O direito à paternidade

Uma das principais falhas da pergunta que se levará a referendo no próximo dia 11, reconhecida mesmo por muitos daqueles que pensam votar ‘Sim’, prende-se com a total ignorância da mesma quanto aos direitos do pai da criança em gestação. Esta lacuna, que não poderá ser corrigida caso o ‘Sim’ vença, visto a questão ser bem explícita quanto à autorização que considera necessária para a realização do aborto – única e exclusivamente a da mãe, por omissão propositada – cria um precedente legal cujas consequências estamos longe de compreender na sua totalidade.
Ao dispensar o acordo do pai para ordenar a eliminação da vida do feto, podemos estar a criar as condições para a total desresponsabilização masculina em relação à gravidez não desejada por si. Mesmo nos casos em que uma mãe decida dar à luz, qualquer pai poderá, caso queira, recusar-se a apoiá-la, usando como argumento a sua preferência pelo aborto. Perante um juiz, facilmente proclamará: “Se não posso ser responsável na morte da criança, também não o serei na sua vida. Se um feto morre sem pai, uma criança também vive sem ele!” ou mesmo “Sôtor, já viu a minha vida? Eu não tenho nada! E esta louca recusou-se a dar-me ouvidos e a abortar!”. Um juiz mais assertivo poderá responder-lhe que deveria ter pensado nisso no dia em que concebeu a criança mas, se o ‘Sim’ tiver ganho, esse argumento terá muito pouca validade…
O que eu pergunto é como é que o nosso parlamento aprovou uma questão tão discriminatória. É natural que as ideias dos socialistas utópicos do século XIX, como Charles Fourier, que defendiam que o conceito de paternidade não passava de uma artificialidade social, não sendo uma tendência natural do ser humano, razão pela qual deveria ser abandonado, tenham influenciado mentes mais iluminadas como as de Ana Drago, Ana Gomes ou Helena Roseta. Mas duvido muito que, para a maioria dos nossos deputados, essa ideia vingue – mesmo crendo que a conhecem.
Assim sendo, resta-me considerar que grande parte do nosso parlamento não só foi enganado como ainda não se terá apercebido da potencial gravidade conceptual desta pergunta no que à relação pai-mãe-filho diz respeito. Com a sua aprovação, um pai deixará, em abstracto, de o ser, passando a mero inseminador. Passará de pai-amigo a pai-abelha...
Por Diogo Almeida, aqui.

4 comentários:

pedro almeida disse...

Não pude deixar de reparar na expressão "direitos do pai da criança em gestação". Um completo disparate.
Até às 10 semanas a criança só tem pai, como todos sabemos, portanto a frase não faz sentido. Contraria todas as regras de feminismo e bom senso que o pai seja pai no mesmo momento em que a mãe é mãe. Convém dar o lógico prazo de 10 semanas para que a mulher, depois de engravidar, tenha o seu normal tempo de decisão de levar a gravidez até às 10 semanas e dividir o seu filho com o futuro pai da mesma, ou interromper voluntariamente a gravidez (há quem abusivamente se refira a este direito básico da mulher como "abortar").

Depois reparei em "eliminação da vida do feto". Primeiro, toda a gente sabe que um feto é um feto, não tem vida. Além disso, não será eliminação, será uma mera interrupção. Mais ainda, será voluntária.

Indigna-me ainda que se refira: "como é que o nosso parlamento aprovou uma questão tão discriminatória". Discriminatória? Discriminação é não deixar as mulheres decidirem sozinhas, que lata! Queriam o quê? Que o homem, esse ser machista, tivesse opinião sobre o feto que está numa barriga de uma mulher? É ridículo. Que espere dez semanas, como é óbvio.

Liliana F. Verde disse...

Caro Pedro,

Li com atenção o comentário deixado por ti na caixa de comentários. Responderei conforme o que penso e entendi do que escreveste.

Não considero um “completo disparate” a expressão "direitos do pai da criança em gestação". Escreveste “Até às 10 semanas a criança só tem pai, como todos sabemos, portanto a frase não faz sentido.” Quererias antes dizer “Até às 10 semanas a criança só tem mãe…”?

Independentemente de se dizer que um feto, cuja gestação é de 10 semanas, só tem mãe ou só tem pai, julgo que é resvalar para o absurdo. Um feto não pode ter só um progenitor. Isto é óbvio. O feto, que é um ser em desenvolvimento, nasceu/teve o seu início, porque houve a união do espermatozóide com o óvulo, ou seja, uma parte masculina e uma feminina [dispenso as descrições científicas muito elaboradas]. Dizer que é de um só, não faz sentido.

Enquanto mulher, muito longe de me enquadrar no feminismo ou no machismo, quiçá compreendê-los, muito embora, de um modo geral saiba em que moldes se pautam, e também enquanto cidadã, não posso, de todo, ignorar a figura masculina, muito menos a do pai. As questões de género abordadas pelo feminismo concedem o privilégio ao feminino em matérias que implicam a responsabilização dos dois pólos; o mesmo fará o machismo.

O pai, enquanto progenitor, educador e cooperante, foi completamente ignorado durante séculos. A História prova-o. Hoje, continua a sê-lo, quer na custódia dos filhos em caso de divórcio, quer no direito ao seu filho, em gestação ou até mesmo da criança pós-parto.

O pai é pai, assim como a mãe é mãe, antes e depois do nascimento. Cada uma destas partes tem responsabilidades, sempre que consentida (o que exclui por completo a violação), numa nova vida. Dizemos sempre que a mulher está grávida, por ter dentro de si, em desenvolvimento, um novo ser. Ao homem nunca nos referimos como sendo um homem-grávido por não “transportar” consigo o novo ser em gestação, apesar de, psicologicamente, a figura masculina ser também ela afectada por transformações, se assim lhe podemos chamar, psicológicas. Já antes escrevi que considero que ao homem-pai deve ser concedida a mesma dignidade e até direitos que à mulher-mãe. Os machismos continuam a proliferar quando se fala desta questão, pois nunca, na História, o homem-pai foi considerado enquanto tal. Homem é homem. Só é pai nove meses depois. Isto é que é um absurdo completo! A igualdade de género, nesta matéria, não existe. Nunca existiu. O direito aos filhos, em gestação ou não, por parte do homem é completamente secundarizado por as transformações físicas e o desenvolvimento do novo ser não serem da sua responsabilidade física directa. A igualdade de género, sem renunciar às especificidades de homem e mulher, não existe. O homem é permanentemente alheado ou secundarizado. Já antes o disse, considero que a especificidade do homem é também a de ser pai, tendo todo o direito a sê-lo. Um feto de 10 semanas, de menos ou de mais, é 50% da mulher e 50% do homem, ou seja, é igualmente parte dos dois. O homem tem o direito de ser pai, enfim, de ser um homem-grávido. Por isso, não me parece correcto que não se possa dizer que o pai seja pai no mesmo momento em que a mãe é mãe. É-se pai e é-se mãe ao mesmo tempo. Se assim não fosse, como poderia um homem dizer-se pai depois do nascimento da criança? Também não faria qualquer sentido. Dizer que é a mulher que decide e que só depois o homem tem direito à “divisão” de um filho que é dele também é entrar numa onda feminista do “quero, posso e mando”. Dê-se o direito à paternidade e à maternidade a cada uma das partes. Responsabilize-se cada uma delas, em igualdade de direitos, e não privilegiando um em detrimento de outro.

Muito se tem falado, na realidade, do prazo de 10 semanas como prazo para que a mulher, por sua vontade, possa decidir se quer ou não levar a gravidez adiante. Que ele seja “lógico” não sei. Se este é lógico, é-o o de 12, 14, 16 ou mais? Uma lógica ilógica. Antes um prazo arbitrário, pré-estabelecido, como seria outro qualquer.

O “direito básico da mulher” à interrupção voluntária da gravidez, vulgo aborto, a que te referes, colide com dois outros direitos: o direito de o pai ter a criança e o direito à vida de um novo ser, monopólio de alguém que há-de decidir se há-de continuar ou não o que já iniciou. Por isso, as coisas não são assim tão lineares como se querem fazer passar. São liberdades que entram em choque, sem que duas das partes se possam pronunciar: direito à paternidade, direito à maternidade, direito à vida de um novo ser. Uns julgarão que há monopólio sobre aqueles e vice-versa, outros não, prevalecendo a vida do novo ser, direito básico de qualquer ser.

Terei de me referir ao excerto:

«Depois reparei em "eliminação da vida do feto". Primeiro, toda a gente sabe que um feto é um feto, não tem vida. Além disso, não será eliminação, será uma mera interrupção. Mais ainda, será voluntária.»

Primeiro ponto: um feto é um feto;

Segundo ponto: um feto é um ser em crescimento e desenvolvimento;

Terceiro ponto: um feto é vida (se não fosse, não poderia crescer e desenvolver-se);

Quarto ponto: o feto é o desenvolvimento da vida humana;

Quinto ponto: completamente falso dizer que a interrupção não é uma eliminação; do ponto de vista semântico, “interromper” é um processo, um acto, que visa a paragem momentânea, de curto ou longo prazo, e que permitirá a sua retoma, o que, do ponto de vista pragmático, não é o que acontece com a I.V.G., dado que o feto é, de facto, eliminado. Esta é a verdade por muito que se queira ignorá-la.

Sexto ponto: a “interrupção voluntária” colide com um segundo direito, já explicado anteriormente.

Por último, devo dizer, na minha sincera opinião, que, na questão do próximo referendo, uma das partes é, de facto, discriminada e lacunar: o homem. Só não vê quem não lê.

A decisão exclusiva da mulher é um meio de alimentar o machismo, puro e duro, da Sociedade. Responsabilidades todas para cima da mulher. Ao homem que continue a sê-lo, sem responsabilidades nenhumas pelo que faz, só depois de a criança nascer, e ainda assim os preconceitos relativos à paternidade são alimentados constantemente. Enquanto mulher, sou da opinião de que há uma posição discriminatória em relação à pergunta; se fosse homem, revoltava-me. E não me admira absolutamente nada que esse maldito machismo continue a crescer, ainda para mais quando se ignora, por completo, o homem. Não é desta maneira que se vai acabar com aquele… Não quero nem imaginar os precedentes de, no século XXI, o homem continuar a ser votado ao papel de procriador machista.


Um abraço,
Liliana

pedro almeida disse...

Cara Liliana,

O meu comentário anterior tencionou ser um disparate completo. Quero explicitar bem isto. Onde escrevi "até às 10 semanas a criança só tem pai" queria dizer "só tem mãe", claro, pois estava a ironizar, como de resto fiz em todo o comentário. Como sabes bem, penso exactamente o oposto (leia-se o meu blogue).
Deveria ter usado outro tom mais explícito, mas às vezes é difícil... Sabes bem...

Subscrevo inteiramente aquilo que escreveste, que li com atenção e interesse, e espero que existam muitos eleitores a pensar assim. Mais do que isso, muitos futuros eleitores a pensar assim...

Sinto-me dilacerantemente discriminado, amputado nos meus direitos. Quero muito que a sociedade me permita exercê-los, porque é com muita responsabilidade e genuína boa vontade que os reivindico. Julgo que não é pedir demais.

Sei que me entendes, agradeço-te por isso. Espero que todos os que lerem estes comentários também fiquem seguros que vou votar Não, e que este é um dos principais motivos: a lei discrimina sexualmente e desresponsabiliza com base no género.

Há casos em que a opinião do pai não deve ser tida em conta: quando a gravidez resulta de crime sexual. Não vou explicar que não se trata de obrigar uma mulher a ter um filho quando não quer mas o companheiro quer. Tenho isso explicado noutro post que gentilmente colocaste no teu blogue há algum tempo.

Um forte abraço,

Pedro.

Liliana F. Verde disse...

Mais uma destas e acho que caio para o lado.