Jürgen Moltmann, 81 anos, é neto de um grão-mestre da Maçonaria. Autor de Teologia da Esperança, influenciou gerações de teólogos contemporâneos. Esteve recentemente no Porto, a participar nas jornadas da Faculdade de Teologia da Universidade Católica. Nesta entrevista garante que o problema não é Deus, mas as instituições: "A Igreja para as pessoas já não funciona, precisamos de uma Igreja das pessoas."
Que importância teve o facto de ter feito a guerra e ter sido preso?
Foi um ponto de viragem na minha vida. Venho de uma família secular de Hamburgo. A religião, a teologia e a Igreja estavam longe de mim. Eu queria estudar física, matemática...
Admirava Einstein, não era?
Sim. Fui mobilizado, com 16 anos, para as baterias anti-aéreas de Hamburgo. Experimentei a destruição da minha cidade em Julho de 1943, depois de um bombardeamento inglês. Sobrevivi dificilmente: caiu uma bomba no centro da cidade e matou um amigo ao pé de mim. Vi-me a gritar: "Meu Deus, onde estás? Porque é que estou vivo e não morto?" Tive tempo para pensar, nos três anos como prisioneiro de guerra. Foi quando descobri Deus e Cristo. Tornei-me cristão e comecei a estudar teologia para descobrir que verdade havia nela. O fim da guerra revelou a destruição. O facto de sobreviver deu-me a determinação de defender a vida e a liberdade.
Deus morreu no Holocausto?
Não. Deus revelou-se-me na paixão de Jesus Cristo, quando me senti abandonado. Descobri Cristo como meu irmão, que partilhou o meu abandono, que morreu gritando "Meu Deus, porque me abandonaste?"
As vítimas são o Crucificado?
Sim. Cristo estava entre as pessoas mortas, sinal de que Deus está do seu lado, de que Deus também sofre na história. Compreendi Deus como um Deus de compaixão.
Parece que Deus morreu ou desapareceu da Europa...
Não, Deus não está morto na Europa. Essa foi uma ideia estranha, no século XIX. Nietzsche dizia que o homem tinha morto Deus. Deus está a sofrer e carrega todas as contradições que vivemos. Na sociedade secular, as pessoas esqueceram-no, temos um forte laicismo, mas isso não é bom. Por outro lado, estamos a entrar numa sociedade multireligiosa. O cristianismo tem que descobrir o seu papel nesta sociedade.
O problema das pessoas é com as instituições e não com Deus?
Sim, sem dúvida.
Escreveu que a fé deve basear-se na ressurreição de Jesus. Como falar da ressurreição?
Anunciando-a por aí. O espírito da ressurreição é o de amar a vida. A questão é se dizemos sim à vida ou se sacrificamos a vida, vitimizando as pessoas. O que é a vida à luz da ressurreição de Cristo?
Há quem queira provas, pondo em causa a historicidade de Jesus. O túmulo estava vazio?
Penso que estava vazio, porque os discípulos de Jesus fugiram quando ele foi crucificado. Eles esperavam que ele fosse o messias redentor de Israel e entretanto estava a morrer, impotente. Fugiram para a Galileia... Depois, Cristo ressuscitado apareceu-lhes e regressaram a Jerusalém, anunciando que Deus tinha ressuscitado Jesus de entre os mortos. Se o túmulo não estivesse vazio, os judeus teriam perguntado como podiam dizer isso. Apareceu o documentário sobre o alegado ossário de Jesus...Na América, pode fazer-se algo grande a propósito de Jesus, porque as pessoas gostam dele. Há a história similar que Jesus apareceu na Índia ou casou com Madalena, que os reis franceses descendem dele... Isso é apenas espectáculo, é religião pop...
Como pode o Deus impotente de que falava salvar as pessoas?
Um Deus que não tivesse compaixão por nós não seria capaz de nos compreender. Um grande matemático e filósofo, Alfred North Whitehead, escrevia: "Deus é um companheiro sofredor que nos compreende." [Se não fosse assim,] Deus não poderia salvar-nos. Não acredito num Deus apático, mas num Deus de compaixão. Esse é o seu poder. Não é um super-poder como o da América, mas um poder de compaixão.
Relaciona o terrorismo e a indiferença para com a morte. Como se pode vencer esse mal?
Só nas consciências, nunca nas ruas com polícias, bombas ou o exército americano. A vida é melhor que a morte e cometer suicídio e assassínios em massa é contra o Deus do islão e do cristianismo.
Só a religião da liberdade pode vencer a religião do medo?
Temos elementos negativos, sobre a destruição da vida na Terra, em todas as religiões. As religiões devem tornar-se religiões da vida contra a morte. Devemos prevenir a destruição e o terrorismo.
Há o pecado do desespero, que definia na Teologia da Esperança?
Sim, claro. Sem esperança, entramos no desespero. As pessoas não se interessam por nada, há o terrorismo, um grande desespero.
Em que devem as pessoas pôr a sua esperança? Nas igrejas, na religião, na política?
Em Deus, espero, não nas instituições. A única razão pela qual a humanidade deve sobreviver é confiar que Deus quer que a humanidade sobreviva. Se não houver uma boa razão, porque devemos sobreviver?Disse uma vez que foi o marxista Ernst Bloch que lhe ensinou a esperança, que os cristãos tinham esquecido. Deixe-me dizer que Ernst Bloch não foi um marxista, mas um judeu reflectindo o messianismo. O seu livro O Princípio Esperança cita muito a Bíblia, facto raro na literatura filosófica alemã. Quando o conheci, há 40 anos, perguntei-lhe: "Você é ateu?" Ele respondeu: "Sou ateu, graças a Deus." Isso explica a sua forma dialéctica de pensar. O marxismo dele era tão pobre que foi expulso da sua cadeira em Leipzig, na antiga Alemanha Democrática, exilando-se na Alemanha Ocidental. A sua filosofia do messianismo e da esperança judaica inspirou-me a olhar para a tradição cristã. Não o segui, mas escrevi um trabalho paralelo, a Teologia da Esperança.
Como distingue a esperança cristã da utopia marxista e dos milenarismos?
A esperança cristã é uma perspectiva do futuro à luz da ressurreição de Cristo. O milenarismo é uma especulação, não tem a ver com a ressurreição do Cristo crucificado. A expectativa marxista do futuro tem a ver com o mundo moderno: há um progresso histórico da necessidade à liberdade, da sociedade burguesa à sociedade socialista e comunista. É parte da crença moderna no progresso. Não tem a ver com a esperança cristã na vinda do Reino de Deus à luz da Páscoa da ressurreição de Cristo.A sua teologia influenciou a teologia da libertação...O meu primeiro encontro foi com Gustavo Gutiérrez, com o seu livro Teologia da Libertação, publicado em 1971, em que ele citava a minha Teologia da Esperança, publicado em 1964. Ele aplicava algumas das minhas ideias à pobreza de massas. Houve um ponto de conflito não com Gutiérrez, mas com outros teólogos: o modo como usavam o marxismo era tão superficial, no meu entendimento de Marx e da realidade, que escrevi a alguns deles e isso provocou conflitos, depois ultrapassados.
Como olha para o caso de Jon Sobrino, censurado pelo Vaticano em Março?
O que ele diz, também digo. Li a notificação da Congregação para a Doutrina da Fé [do Vaticano], um documento muito pobre, teologicamente mau. Estou muito mais do lado de Sobrino. A intenção [do Vaticano] era limitar a influência de Ignacio Ellacuría [reitor da Universidade Centro-Americana, de El Salvador], que foi morto [em 1989], com mais cinco jesuítas. Tenho uma relação especial com o acontecimento: quando mataram os padres mais outras duas pessoas, levaram um livro a Jon Sobrino, que estava cheio de sangue. Era o meu livro O Deus Crucificado. Fui em peregrinação, um ano depois, a El Salvador, aos túmulos dos jesuítas, símbolos desse Deus crucificado. Jon Sobrino é um dos melhores teólogos da América Central. Este é um debate tardio, supérfluo, desnecessário.
Essa experiência é semelhante à da Igreja Confessante na Alemanha, que resistiu ao nazismo durante a II Guerra?
Sim, deram ambas mártires. Mas há mais mártires nas comunidades e igrejas cristãs resistentes da América Latina.
O pastor luterano Dietrich Bonhoeffer fuzilado pelos nazis, é uma referência para si?
Sim. E influenciou também, pelo seu exemplo, muitos teólogos latino-americanos, no sentido de resistirem, mesmo activamente.
Defende uma Igreja mais ministerial e carismática. É uma forte crítica à Igreja Católica, mais hierárquica.
Não necessariamente. Nos últimos dez anos, tive uma relação forte com igrejas pentecostais na Coreia e na Nicarágua. É errado o que os bispos católicos dizem, que esses grupos são seitas. Desde sempre houve movimentos sectários no cristianismo. Mas aqui há mais qualquer coisa. Trata-se de uma nova vaga do Espírito Santo: formam-se comunidades e congregações, vão de casa em casa a evangelizar... Devemos tomar isto mais a sério e não falar apenas de seitas más. Por exemplo, há bairros em São Paulo com um padre para 25 mil católicos. A maior parte das pessoas nunca o vê e ele não pode nunca conhecer toda esta gente. Então, vêm os pentecostais, pregam de casa em casa, formam comunidades, convidam para o culto de domingo, são muito afectivos. A Igreja Católica tem que caminhar para uma "congregacionalização". A Igreja para as pessoas já não funciona, precisamos de uma Igreja das pessoas.
Tal como Lutero propunha, no início da Reforma protestante?
Sim, mesmo se as igrejas luteranas também se tornaram estatais e estabelecidas. O que precisamos é de igrejas congregacionais. E isso está a ser influenciado pelos pentecostais. Não devemos rejeitá-los, mas ver o que está Deus a fazer através deles. E aprender deles.
29.04.2007, António Marujo
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