Rui Pereira, ministro da Administração Interna, defendeu esta semana, numa intervenção realizada na Escola Superior de Educação de Leiria, que o ensino dos valores de cidadania nas aulas de Educação Cívica é essencial para "a mudança de mentalidades e a construção de um Portugal melhor". Rui Pereira pressupõe que a transmissão de valores deve ser uma função do Estado. Mas, dado que a sociedade portuguesa é pluralista, essa função deve ser questionada. Se o Estado vai transmitir valores, vai transmitir os valores de quem? E se numa sociedade pluralista coexistem valores contraditórios, que valores é que o Estado deve transmitir?
Pode-se argumentar que o Estado deve transmitir os valores consensuais. Mas os valores consensuais estão em todo o lado. Na televisão, em casa, nos grupos de amigos e nas empresas. Os valores consensuais são absorvidos por todos os cidadãos desde a infância. A transmissão de valores consensuais através do ensino público é um desperdício de tempo e de recursos.
Pode-se argumentar que o Estado deve transmitir os valores da maioria. Mas esse é um caminho perigoso. As minorias têm tanta legitimidade para exigir que o Estado transmita os seus valores quanto a maioria. Vivemos numa sociedade aberta e plural em que a liberdade de pensamento, de expressão e de ensino é reconhecida a todos sem excepção. O Estado deve respeitar esse pluralismo abstendo-se de promover determinados valores em detrimento de outros. Na sua intervenção, Rui Pereira destacou os valores da liberdade, responsabilidade, igualdade, solidariedade e segurança. Ou seja, aqueles valores que dividem qualquer sociedade. O debate político em Portugal é precisamente sobre qual deve ser o equilíbrio óptimo entre liberdade, responsabilidade, igualdade, solidariedade e segurança.
Pode-se argumentar que os governantes sabem melhor do que os cidadãos quais são os valores mais adequados para a sociedade. Mas este argumento constitui uma inversão da relação entre governantes e cidadãos. Numa democracia, são os cidadãos que escolhem os valores que devem orientar o Governo. Não são os governantes que definem que valores os cidadãos devem ter. Por outro lado, só a brincar é que alguém atribuiria a políticos o papel de definir os valores sob os quais a sociedade deve viver. Somos governados por um primeiro-ministro que mentiu para ganhar as eleições, por uma ministra da Educação que diz que não se arrepende de violar a Constituição e por um ministro da Administração Interna que acha normal que um juiz do Tribunal Constitucional interrompa o seu mandato para servir o seu partido como ministro. Se os governantes não têm uma vida ética, porque é que haveriam de ser eles a definir os valores que devem reger a sociedade?
João Miranda, Investigador em biotecnologia
DN 07-09-29
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