domingo, 30 de setembro de 2007

África cobiçada

1. O número de Setembro, da prestigiosa revista missionária, Além-Mar, apresenta a África como um objecto de cobiça. Este “Especial África 2007” percorre os 54 Estados do continente africano, país a país, oferecendo aos leitores dados actualizados sobre geografia, população, política, economia, saúde, transportes e comunicações, educação e religião. Nomes e estatísticas para conhecer um continente que vai estar no centro da agenda política da presidência portuguesa da União Europeia.

Quando se fala de África, pensa-se, com pena ou desprezo, em miséria, fome, doenças e guerras. Mas a África é também um espaço de subsolo rico em diamantes, petróleo e minérios. Dada a situação internacional, não podia continuar à margem da cobiça dos grandes interesses, a começar pelos EUA. Já é da África que lhe vem 15 por cento do seu petróleo, valor que deverá aumentar para 25 por cento até 2015. A super potência emergente – a China – está a investir fortemente nesse continente. Angola, por exemplo, representa 13 por cento do petróleo importado por Pequim, que se tornou o principal parceiro da reconstrução angolana – sobretudo das infra-estruturas – ao abrigo de uma linha de crédito de 2000 milhões de dólares, tendo o petróleo como garantia. Em Novembro do ano passado, o presidente chinês, Hu Jintao, reuniu em Pequim 48 representantes de países africanos, entre os quais numerosos chefes de Estado ou de Governo. Prometeu que a China disponibilizará 5000 milhões de dólares em empréstimos e assistência a África até 2009.

À partida, esta cobiça não esquece que, dos chefes de Estado Africanos, 12 estão a governar há mais de 20 anos, 2 são octogenários e 14 ultrapassaram já os 70 anos. Estes dirigentes apegam-se ao poder porque o aparelho de Estado é o principal, senão o único, meio de acumulação de bens e os presidentes em funções esforçam-se por regular ou limitar qualquer alternativa política e as incertezas de uma evolução democrática.

Um relatório do Banco Mundial, divulgado em Novembro de 2006, referia que a população africana, em situação de pobreza extrema, aumentou de 36 por cento em 1970 para 50 por cento em 2000. A África ficou para trás. Irá, agora, para a frente com todos os investimentos que se anunciam?

As expectativas não são muitas. A pergunta que sempre reaparece é esta: onde irão parar os lucros da exploração de tantos recursos? A resposta também já é conhecida: ao bolso dos dirigentes africanos e daqueles que os corrompem.

2. A revista Além-Mar coloca o crescimento da Igreja católica, em África, como factor de esperança, embora saiba que a situação não é uniforme nem pela sua antiguidade nem pelo volume da sua presença. O cristianismo espalhou-se pelo Norte de África durante os primeiros séculos da sua existência. Dão testemunho dessa realidade grandes figuras como Santo Agostinho, Tertuliano e algumas pujantes Igrejas que foram arrasadas, quase completamente, com a chegada do Islão no século VII. Pouco mais ficou do que algumas comunidades coptas, no Egipto e na Etiópia. As tentativas de evangelização, realizadas na Costa de África a partir do século XV, tiveram resultados bastante superficiais, associadas que estavam ao comércio e ao tráfico de escravos. Foi durante o século XIX que a evangelização, na África Subsariana, assumiu formas mais sistemáticas, graças a várias congregações missionárias, masculinas e femininas. Esse empreendimento, seja qual for o juízo histórico que sobre ele se possa fazer, não foi estéril: em 1957, os católicos eram 24 milhões; em 2007, são 153 milhões e 470 mil. Estou a contar apenas os católicos. São, em alguns países, a maioria da população e uma maioria muito representativa e influente noutros. No entanto, não passam de 20 por cento noutros casos e apenas uma minoria em países de maioria cristã de outras confissões.

3. Para quem não conhecer as peripécias do colonialismo e das independências em África, é inevitável a pergunta: que estiveram e estão a fazer as Igrejas com todo este peso? Não há espaço para abrir, aqui, esse debate. Mas, hoje, seja onde for que uma comunidade católica celebre a Eucaristia, os participantes escutam uma tragédia diabólica, em forma de parábola: a perda da capacidade de parar e pensar no abismo que continuamos a aprofundar entre os seres humanos, entre estes e a natureza, entre o passado e o futuro, entre o céu e a terra (Lc 16, 19-31). Jesus assumiu, nessa parábola, a crítica da religião que consente que uns estejam à mesa e outros à porta, que uns vivam no luxo e outros na miséria. Ele tornou-se a pergunta de Deus em todos os tempos e lugares: “Que fizeste do teu irmão?”

Globalizada a exploração, só há um caminho: globalizar o amor compassivo, sem exclusões. A África, objecto de cobiça, vai estar no centro da agenda política da presidência portuguesa da União Europeia. Espero que os mares, que separam a África e a Europa, possam tornar-se oceanos de paz, de conhecimento mútuo, de cooperação, de inovação nas relações entre os povos, embora saiba que há sempre diferença entre conhecer o caminho e caminhar.
Frei Bento Domingues, o.p.

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