domingo, 30 de março de 2008

Indisciplina é realidade antiga, agora mais divulgada - especialista

A "diversidade" de alunos nas escolas e o apelo à "distracção" pelos media podem justificar a indisciplina nas escolas, um fenómeno que sempre existiu, mas que tem hoje maior divulgação, defende uma investigadora da área da educação.

"Há um público mais diversificado, a escola democratizou-se e há outros códigos culturais, outras maneiras de estar e de pensar que não são compatíveis com os valores que a escola pede. A escola alargou-se mas não se modificou e a sua estrutura já vem muito de trás", explicou à Lusa a investigadora do departamento de educação da Faculdade de Ciências de Lisboa Maria Benedita Melo.

Este é um problema "generalizado" do primeiro ciclo à universidade onde, segundo a investigadora, as "diferentes etnias, diversas culturas e graus económicos distintos" estão em dissonância com o modelo escolar.

Face ao problema, a socióloga salientou, no entanto, que, "apesar de tudo", hoje em dia não há mais indisciplina, mas sim mais divulgação.

"Tem-se muito a ideia de que no passado é que era bom, mas não é verdade. Alguns estudos têm demonstrado que não há mais miúdos indisciplinados, há é mais divulgação. Antes não havia telemóveis, mas jogava-se à batalha naval", explicou.

Para a investigadora, a influência dos media e de uma cultura visual que "apela mais à distracção do que ao trabalho e mais ao lazer do que ao esforço" contribui também para a "resistência" dos alunos à disciplina.

"Mas isto é um problema generalizado e diversos estudos demonstram que estas questões são recorrentes nas escolas europeias", concluiu.

Para a socióloga, a indisciplina não existe apenas nas escolas e baseia-se no aparecimento de "uma atitude diferente entre os mais novos e os mais velhos".

"O modelo de autoridade que existia foi substituído por um modelo mais negociável entre pais e filhos e também entre alunos e professores. Só que na escola é mais difícil impor regras e comportamentos a quem não os quer receber porque em casa não é assim", sublinhou a investigadora, acrescentando que os "miúdos" acabam por transportar para a escola esse modelo.
Opinião diferente têm Madalena Ferreira, uma professora em fim de carreira, e Raul Mendes, um professor reformado, que são unânimes em afirmar que a indisciplina está cada vez mais presente nas salas de aula portuguesas, causada por mudanças na sociedade e dos seus valores e por políticas educativas "que não têm respondido ao problema".

A professora de economia e sociologia, que lecciona há 31 anos numa escola de Torres Vedras, disse à agência Lusa que "houve um aumento da indisciplina desde que se generalizou o acesso à escola e se massificou o ensino".

"A indisciplina tem a ver com a própria mudança da sociedade, onde se assistiu a uma mudança de valores: existe uma grande falta de respeito e os alunos não ouvem os outros", explicou.

Para Raul Mendes, antigo professor de português e latim, que leccionou durante 35 anos em Setúbal, a indisciplina "está de tal forma disseminada no ensino público, que muitos professores já nem fazem queixa destas situações ao conselho directivo das suas escolas e convivem com elas como se se tivesse tornado norma".

"As políticas do ministério da Educação também têm contribuído, existindo um desrespeito pelos professores, que se estende aos alunos", explicou Madalena Ferreira.

Ambos concordam que estas situações são mais frequentes no terceiro ciclo, apesar de no ensino secundário também existirem.

"Para resolver estas questões é preciso autoridade, que o professor se afirme e que não deixe passar situações mais graves. Mas há que tentar sempre a via do diálogo, falando com os alunos e reflectindo com eles", justificou a professora de economia e sociologia.

"A autoridade consegue-se muitas vezes com uma postura mais distante, para a qual a idade e a experiência também ajudam", explicou Raul Mendes.

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