sábado, 20 de janeiro de 2007

A paridade - opiniões

REFLEXÕES SOBRE A PARIDADE


No passado mês de Junho, o Presidente da República Cavaco Silva vetou o diploma que obriga os partidos a incluir um terço de mulheres nas listas para as eleições legislativas, autárquicas e europeias, por ter dúvidas quanto ao «carácter excessivo» das sanções contra as listas candidatas às eleições que não cumpram esta quota. Este diploma defende um sistema de "discriminação positiva" a favor da mulher, visando aumentar a sua presença na Assembleia da República, e suscitou um debate que se intensificou nos últimos meses, especialmente desde o último dia 8 de Março (Dia Internacional da Mulher).

O PSD, o CDS, o PCP e o PEV votaram contra o diploma. O PS e o BE a favor. O Presidente da República vetou. A decisão de Cavaco Silva suscitou apoios e críticas: o caso da UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta - que lamenta profundamente o veto, ou a carta enviada pelo LEM - Lobby Europeu de Mulheres, divulgada pela Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres.

O PS introduziu finalmente alterações ao decreto-lei que foram aprovadas no passado dia 5 de Julho, com 119 votos a favor. As alterações vão ao encontro das reservas de Cavaco Silva, já que aplicam cortes diferenciados na subvenção estatal.

Voltei a ler a intervenção da deputada Zita Seabra na Assembleia da República do passado dia 30 de Março (aquando da discussão e votação da lei), da qual seleccionei uma série de trechos por me parecerem significativos (destacados no texto) e dos quais me servirei nesta reflexão.
Na origem do sistema das quotas está a ideia de affirmative action, lançada por Kennedy para combater a segregação racial nos Estados Unidos. No entanto, o princípio das quotas não é legalmente aplicável naquele país, que o Supremo Tribunal tantas vezes condenou. Trata-se, mais ainda, de considerar a diversidade étnica como fazendo parte dos critérios de selecção ou recrutamento. As mulheres em Portugal constituem hoje, não uma minoria, mas uma maioria (55%) em forte expansão de obtenção de qualificações e de entrada nas mais variadas opções profissionais. Os seus direitos não são negados, mas reconhecidos.

O sistema de quotas para equiparar a presença de homens e mulheres na vida política funciona em alguns países e origina forte controvérsia. Não há muitos Estados que tenham integrado a paridade na lei. Na Bélgica e na França (onde a paridade exigiu uma reforma da Constituição), os partidos que não apresentem listas paritárias são punidos com multas. Neste último país, não se tem conseguido os resultados esperados. Os socialistas, impulsionadores da reforma, têm sido os primeiros a preferir o pagamento de uma multa, a elaborar as suas listas segundo as quotas. Os pequenos partidos, mais radicais, têm respeitado esta situação para não perder os apoios financeiros. As mulheres estão melhor representadas nestes partidos que nas grandes formações partidárias. Por outro lado, e como afirma António Vitorino no "Diário de Notícias" (17.03.06), «.na Bélgica a regra do terço levou os partidos a colocarem as mulheres concentradamente no terço final das listas, naquela parte onde normalmente não se é eleito e, por isso, o resultado continuou a ser uma classe política maioritariamente masculina».

As democracias mais recentes, como o Brasil, o México ou o Ruanda, já integram a paridade nas suas leis fundamentais. Assim como as recentes Constituições do Iraque e do Afeganistão obrigam a uma presença feminina de 25% nos respectivos Parlamentos. A prática mais difundida é a auto-regulação partidária. Por outro lado, as organizações internacionais, incluindo a ONU, apesar de terem nos seus estatutos indicações no sentido da paridade, não impõem limiares ou quotas; no entanto, existem recomendações e convenções.

Corremos o risco de que os direitos estejam fundamentados não sobre a condição de pessoa/cidadão, mas sobre a condição de reunir um conjunto de particularidades ou especificidades: a pertença ao grupo, e não a cidadania, acabaria por ser o fundamento dos direitos. A aprovação da lei dependia apenas do voto do PS, porque se trata de uma lei orgânica de maioria simples. Parece que legislar não custa nada. Custa muito mais estar disposto a compreender a realidade.


Não parece óbvio que a igualdade de direitos entre homens e mulheres tenha que ser expressa por uma perfeita simetria entre os dois sexos. Sendo assim, a percentagem de 33% não seria correcta. Parece arriscado tentar transformar a igualdade de direitos mulher - homem numa quase "engenharia social" que traduzisse a presença simétrica de mulheres e homens na sociedade, porque igualdade, em termos de cidadania, não é sinónimo de paridade.


Os defensores das quotas têm em mente um mundo perfeito onde a representação política corresponde à representação sociológica e supõe que os gostos dos dois sexos sejam em tudo idênticos, dando prioridade ao "colectivo" sobre a liberdade individual. Neste sentido, parece-me acertada a expressão "engenharia social" porque traduz a ideia de algo artificial e imposto. É como se o Governo pretendesse obrigar-nos a ser felizes, saudáveis, com bom aspecto, consumidores de boa literatura, cidadãos interessados em causas humanitárias, amigos dos animais e respeitadores da paridade. Tipo "pack cidadão". Nisto, como em tantas outras coisas, sabemos que as imposições não mudam mentalidades.


No seu estudo "As Mulheres em Portugal: Situação e paradoxos" (2005), Virgínia Ferreira afirma que: ".Existem discriminações na vida social, mas sobretudo no mundo do trabalho e da política... O que acontece é que esta igualdade ocorreu de um dia para o outro, de 'cima para baixo', em vez de ter tido lugar lentamente e "de baixo para cima", em relação íntima e atenta aos efeitos de outras mudanças sociais importantes para a emancipação das mulheres, como os processos de urbanização e a individuação".


Contrastando com esta opinião, o Primeiro-ministro, numa lógica de "não se olha a meios para atingir um fim", considera que, no caso das quotas, não se pode "dar tempo ao tempo" (embora Alberto Martins, líder do grupo parlamentar socialista, diga ser necessário dar tempo ao tempo quando questionado sobre o porquê dos 33% e não, dos 50%, "o importante é garantir um patamar mínimo"). Sendo um tema tão caro ao Governo, não se percebe porque é que este só conta com 2 Ministras e 3 Secretárias de Estado; mais ainda, quando José Sócrates afirma que as escolhas foram determinadas pela confiança pessoal. As mulheres não merecem a confiança do Sr. Primeiro-ministro?

Está aqui por quotas?

No passado dia 8 de Junho, a Assembleia-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) escolheu por aclamação a Sheikha Haya Rashed Al Khalifa, cidadã do Bahrein, como sua próxima Presidente.

Al Khalifa, a terceira mulher eleita para este cargo, tomará posse em Setembro, na inauguração do 61º período ordinário das sessões da Assembleia, e substituirá o sueco Jan Eliasson.

Maria Pia Sanchez-Ostiz - Associação Mulheres em Acção, http://www.mulheresemaccao.org/opiniao_view.asp?Id=9

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