Quando ouvimos notícias sobre alguma criança que morreu, ficamos, de um modo geral, chocados. “Tinha a vida toda pela frente!”, costuma-se dizer. Ficamos com um sabor de injustiça na boca. De que algo de incrivelmente errado aconteceu. Devemos muita desta sensação ao fantástico trabalho que todos nós, seres humanos, temos feito nos últimos séculos, para combater as complicações ao longo da gravidez e a mortalidade infantil. Assumimos, enquanto colectivo formado pela soma das vontades de cada um, a missão de criar os nossos filhos. A dada altura, considerámos – a meu ver até muitas vezes de forma abusiva – que tínhamos o direito de controlar o modo como os futuros adultos eram conduzidos ao patamar de iguais pelos seus pais. Hoje, os maus-tratos infantis são vistos como um acto repugnante e retrógrado, fruto de mentes doentes ou ignorantes e, independentemente da causa, punidos pela lei, que protege os direitos dos menores dos erros dos progenitores.
O que diferencia então, de sobremaneira, uma criança de 3 anos de um feto de 10 semanas, que não permita à segunda direitos semelhantes aos da primeira? Pessoalmente, a primeira memória de que me recordo data dos meus 4 anos. Antes disso, nada... É a memória que nos torna humanos? Se a grande fronteira em termos de direitos de cidadania está no momento do parto, pergunto: seremos assim tão diferentes nos momentos que antecedem e procedem o parto? Será que o direito à vida requer a capacidade de respiração pulmonar e de parar de nadar numa almofada de líquido? É aquela fina camada de pele que nos separa das cartilhas internacionais de direitos humanos, quando é hoje sabido que o processo de desenvolvimento cerebral e intelectual começa muito antes? Ou seremos capazes de assumir que, apesar de ainda não lhe vermos o rosto nem lhe ouvirmos as primeiras palavras, qualquer grávida transporta dentro de si um ser humano que, embora dependente dela, evoluirá lenta e continuamente para a autonomia total e que, um dia, muito anos depois, lhe estará destinado o papel de a proteger e apoiar – e mesmo tal não sucedendo, caberá à sociedade a obrigação de o fazer, não o abandonando como se pretende com a proposta de referendo que se avizinha.
Por Diogo Almeida, em "Blogue do Não"
Por Diogo Almeida, em "Blogue do Não"
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